Vagante



A ociosidade noturna se quebra com as cores do dia.  Não dorme. Não sonha. Não vive. Vagueia na escuridão estéril de uma noite sem lua, sem cheiro, sem estrelas.
Vazia.

Paulo Francisco


Fortaleza

O contorno da montanha delineado pelo resquício de claridade de um sol viajante. É assim que está a montanha vista de minha janela.
Meu corpo ainda recebe o resquício de seu calor. Sinto-me assim todas as vezes que tens que partir. Sou a montanha de minha visão que aos poucos some diante da escuridão.
A escuridão que lá existe é levada pela claridade da lua, surgindo aos poucos do outro lado. A montanha não mais se encontra sozinha. Tem a lua para admirar.
A escuridão que aqui existe é levada pela lembrança de ti e vai tomando aos poucos o meu corpo. Já não fico mais sozinho. Tenho seu rosto para admirar.
Lá está a montanha: integra intacta, majestosa.
Aqui estou eu: pensando em ti e feliz.
Amanhã teremos mais um dia de sol e a montanha continuará verdejante e bela.




Paulo Francisco





Pelo muro as rosas espiam quem passa
balançam suavemente o pensamento ao vento
Rosas aveludadamente vermelhas
distraem maldosamente quem passa
com seu formato mulher
com seu perfume de flor
com suas pétalas macias
com seu gosto de amor.
Atrás do muro da casa há mais flores no jardim
Margaridas e Estrelícias
Gérberas e lírios
Orquídeas e Tulipas
Narcisos e Monsenhores
Enfeitam, estrategicamente, o passeio ao calabouço.


Paulo Francisco

Amargosamente



A trama estava ali. Fora construída a passos curtos, numa lentidão imprecisa.
Não era uma teia arquitetônica, escultural. Não, não era.
Era uma trama confusa amarrada por nós apertados e doídos.
Nós que jorravam um líquido denso e amargo.
Nós que jamais seriam desatados e sim convividos.
A trama estava ali, grudada à pele, envolvendo o corpo, prendendo a alma.
E na mistura desordenada, criou-se uma camuflagem que escondia os mais perversos dos sentimentos.
Seguiu seu caminho tecendo fios, atando nós, prendendo à pele, tatuando a alma.
Seguiu o seu caminho na sua condição naturalmente humana.
Humanamente perversa
Humanamente egoísta
Humanamente medíocre
E assim seguiu até o fim de tudo.


Paulo Francisco


Luzes

Peregrinos de um caminho a ser conquistado
Argonautas de suores e lágrimas
 - argos em busca do amor dourado
Cosmonautas de sonhos e delírios
 - viajantes em cosmonaves invisíveis
 a procura da estrela perdida.
[E os nossos caminhos foram interrompidos

por uma luz divina.]


Paulo Francisco

Vai e Vêm



Morro a cada partida sua
Não é uma morte instantânea
fulminante
É um morrer vagaroso
definhado
corrosivo
que queima a derme d´alma
que desfibrila a carne exposta

Morro
morro a cada ausência sua
e renasço
sempre renasço com o seu retorno tímido
renasço com o coração acelerado
com um sorriso largo
com os braços abertos e as pernas trêmulas

Ah, eu renasço, renasço sim,
renasço com a mesma intensidade
do dia em que lhe vi pela primeira vez
e gritei um grito parido - infinito
como se você estivesse saindo de minhas entranhas
e explodido em múltiplas emoções:
temor e ternura
certezas e dúvidas
brisa e tufão
céu e chão

Mesmo com a pele mais áspera
com as mãos mais trêmulas
e o corpo mais cansado
tornei-me indestrutível nessas idas e vindas
Porque simplesmente sei que não há despedidas
entre nós - meu filho.

Paulo Francisco


Ventando

Ele espalha o que antes era inteiro
fragmenta
mistura
varre
suja
Espanta e assusta
Ele junta o que antes era pó
modela
esculpe
transforma o que não era nada em tudo.


Paulo Francisco

Veloz


O vento corre
navega longe
segue livre
corre
navega
Segue sem destino certo
incorreto, ele corre
corre
corre
mexendo em tudo
até o fim do mundo.


Paulo Francisco


Quase tudo

Restou-me a voz
Restaram-me também os olhos
o som
a cor
Restou-me praticamente tudo
Praticamente tudo...mas não tudo
Há cicatrizes na pele da alma
Marcas profundas tatuadas
nas minhas retinas difusas.
Repito:
Restou-me praticamente tudo
Mas não tudo
Falta o que me foi tirado
e que jamais será recuperado.


Paulo Francisco


De mim




O que escorrem de mim
em minha face
não são lágrimas doídas
não são lágrimas saudosas
São  águas perfumadas
perfume d´alma
alfazema-lembrança
escorrida de dentro de meu ser
para lembrar-me de corpo lavado
que por fora só é textura
camada grossa
bruta
túnica escura
inventada pra proteger-me.
O que escorrem de mim
 são gotas orvalhadas
que aos poucos formam trilhas
trilhas d´água perfumada
com cheiro de alma
alma e jasmim.




Paulo Francisco

Neblina

As montanhas estão vestidas de cinza.
Escorrem do céu, densas capas prateadas
cobrindo as copas de suas árvores.
cobrem , também, a minha pele pálida,
cegam os meus olhos castanhos,
e me impedem de prosseguir em arco-íris.
As montanhas continuam chorosas
rogando pelo sol
desejando o azul celeste
implorando  por outras cores
que não sejam os tons cinzentos existentes,
As montanhas continuam firmes
colossais
magnânimas
apontadas para o céu.
Elas continuam esplendorosas
- eu sei –

mesmo escondidas de mim.



Paulo Francisco

Volátil






Tudo era mágico
belo
perfeito
feito à mão
As nuvens pariam sonhos
todos flutuavam
flores
gente
bichos
e até o chão.
Era tudo tão colorido
lacrimoso
perfumado
inesgotável como a ilusão.
Nem quente, nem frio
nem claro, nem escuro
Estava tudo tão centrado
tão alcançável
tão silencioso
tão perto de Deus
que só poderia ser um sonho
uma viagem interplanetária
intergaláctica
incensaria
que certamente eu voltaria
a qualquer momento
menos insano
mais concreto
ao mundo dos ateus.


Paulo Francisco

Literal




Não há arrependimento
tristeza
nem solidão.
São só raios
chuvas
ventos
trovões
Ventanias na imensidão.
Há palavras
frases em poesias
sentimentos metaforizados
recados empalhados
declarações ritmadas
às vezes pobremente rimadas
outras vezes não.

Mas se há tristeza, arrependimento e ou solidão
declaro-me abertamente pedindo-lhe perdão.


Paulo Francisco




Verde

Tudo claro – amarelo e azul
A brisa acariciou as cortinas
refrescou o cômodo
limpou o chão
Os raios chegaram mansos
dourando a pele
clareando as retinas
brilhando o mundo
tingindo tudo
E os pensamentos antes opacos
surgiam plenos
calmos
divinos
como as cores de um jardim.
Hoje, tudo claro – amarelo com azul.

Paulo Francisco

Desolante



O tempo continua denso
há, no céu, nuvens pesadas
impedindo o brilho do sol
São nuvens carregadas
que trazem lembranças
que trazem medos
que trazem lágrimas
cinzas
negras
de um instante de pavor.
O tempo continua tenso
lá fora
 e
aqui dentro
Amor.

Paulo Francisco

Temporal



Raios e trovões iluminavam e sonorizavam o meu medo
Meu corpo molhado pesava e dificultava o meu caminho
As árvores e os arbustos, antes perfeitos, como obras de Deus,
não passavam de esculturas sombrias naquela noite sem vida.
Não sabia se chegaria; não sabia se conseguiria vencer a água que caía.
Fora tudo de repente. Sem sinais. Sem aviso prévio.
Andava, parava, corria, escorregava e caía.
O que antes estava tão próximo as minhas mãos, ao meu corpo,
agora se encontrava distante, longe de meus olhos.
Raios e trovões iluminavam e sonorizavam o meu medo.
A chuva, insistente, lavava a minha pele, limpava a minha alma.
Aprontava-me, certamente, para o outro dia.
Um dia de sol e brisa.



Paulo Francisco

Outro Porto

Numa viagem imprecisa
à deriva
levado por ventos nervosos
sacudido por ondas repetidas
chegou quase morto à terra firme
Havia coqueiro e água de coco
Havia pássaros verdes e vermelhos
e uma brisa a cantar
Também havia montanhas
cobertas de verde rio de água pura
cavernas  desabitadas
e a solidão para lhe assombrar.


Paulo Francisco

Teimoso






Nada de flores
Nada de pássaros
Nada de cores
Nada de brilho
Tudo cinza
arrastado
aguado
frio.
Ele fechou o seu caminho
Insiste em ficar
_ Não é nada cavalheiro
Expansivo - Não deixa a sua prima entrar.


Paulo Francisco

Tempestade



O vento cortou-me a pele, empurrou-me para o lado, jogou-me contra as pedras.
Gritou repetidamente, como um louco, aos meus ouvidos.
Cegou-me em poeira doída e trouxe-me calafrio. Acordou o medo nunca antes sentido.
Cortou-me a face,  navalhou-me a alma,  sangrou-me os pulsos.
O vento cortou a corda que me atracava ao cais.
E sem forças para lutar, fiquei à deriva por horas a fio, cerrado numa inesperada partida.



Paulo Francisco

Celeste



E a noite chegou
com mais estrelas
mais marinha
mais lunar
mais minha.

Paulo Francisco

Olhar

Os raios solares furam as densas nuvens
transformando-as em espumas coloridas
As montanhas verde musgo, à sombra
de uma pré-noite silenciosa, aninham as aves,
escondem os gaviões e soltam os seus frutos.
Da janela de meu quarto, deitado em minha cama,
adormeço de olhos abertos à espera da lua.

Paulo Francisco

Olhos grandes

Meus olhos vidraram
marejaram
e raptaram
o que não era meu.

Paulo Francisco

Presença






Não foi o frescor do vento
Não foi o perfume das flores
Não foi a luminosidade do céu
Não foi a leveza do sol
Não foi a sombra das arvores
Não foi aquela paisagem de cores
Muito menos a música que tocava
Menos ainda a paz encontrada
Foi com toda certeza do mundo
a tua presença que me deixou sóbrio
sereno
e  muito mais humano.


Paulo Francisco



Alucinação

Estavam todos drogados
numa roda confusa
se aplicavam
se abraçavam
se beijavam
Estavam todos dopados
imundos
num mundo sujo.
E os que não estavam
[ aplicados, cheirados, fumados]
andavam entorpecidos
neste mesmo submundo.


Paulo Francisco

Entorpecido






Havia um assomo de esperança
Um assomo de arrependimento
Havia sim.
Ainda havia brilho em seus olhos
uma lasca de sorriso em seus lábios.
Havia sim.
Ainda havia cor em sua alma
um frescor em sua pele.
O vento espalhava o seu cheiro de flor.
Espalhava sim.


Paulo Francisco



Construção

A teia crescia a cada dia.
Construção milimétrica,
estrutura geométrica,
 a inquilina fazia.
[Construindo a sua casa
 recobria a minha.]
A teia crescia a cada dia.
Rendada a casa.
A casa se rendia
a renda da vizinha.

Paulo Francisco


Pintura

As amoras surgem entre as folhas e os morangos enfeitam os estolões
A chuva forte escorre pelo vidro da janela levando a poeira existente.
O sol vai, o sol vem e o arco-íris coroa e colore o céu azul.
O vento implora atenção, enquanto as folhas acenam um adeus.
A noite chega num marinho tachado de estrelas amorosas.
A lua laranja, uma beleza a parte, hipnotiza o meu olhar.
Tudo isto num único dia, tudo isto eternizado dentro de mim.



Paulo Francisco

O vento e o tempo

Entrego-me ao tempo-vento na esperança de voar.
Voa passarinho, Voa!
Corta o vento
Desafia o tempo
Bata as asas
Crie redemoinhos
Se transforme num menino.
Voa passarinho, voa!
Voemos nós neste tempo  imperativo.

Paulo Francisco

Memória






Setembro, se bem me lembro, havia flores no campo.
O céu, mais azul, tingia os nossos olhos de esperança.
Pernas desinibidas brotavam descobertas em parques e jardins.
Os pássaros cantavam nos galhos verdejantes e brilhantes.
As janelas, antes banguelas, ficavam denteadas por pétalas.
Os peixes, mais dourados, surgiam no lago da casa da vizinha.
Almas afloravam coloridas nas calçadas e praças.
Setembro, se bem me lembro, havia flores estampadas na mente da gente.
Tudo era mais divertido e florido e meus olhos ficavam mais coloridos.
Setembro, se bem me lembro, oficiosamente, já era primavera por aqui.


Paulo Francisco

Etéreo

As nuvens caminham silenciosas no céu.
Eu as contemplo silenciosamente do chão.
Elas caminham lentamente pelo fundo azul
e eu também giro grudado ao verde chão.
 Assopradas pelo vento se desmancham
em gotículas que caem  serenando a paisagem
refrescando
umedecendo
os meus olhos.
As nuvens caminham pelo céu
e eu voo aqui do chão.
Contrários, somos:
       Elas se desmancham em chuva
                                                                              Eu me construo vivo.
                               Elas caem derradeiras
                                                                              Eu levito em sonhos.
                               Elas renascem a cada dia
                                                                              Eu envelheço simplesmente.




Paulo Francisco

Elegia

Ainda estou por aqui Maria
sem ideia
sem vontade
sem querer
Ainda muito triste.
No momento sem vontade de viver
Não, não quero morrer de verdade.
[Simplesmente não quero viver sem ela.]
Amanheceu, entardeceu, o sol se foi
e eu não sei como está o céu
Com lua?
Estrelado?
Metileno?
Vermelho?
Embaçado?
Não sei...
O que eu sei, Maria, que ainda há uma tristeza tingida
que aperta
que sufoca
que cobre a minha alma e a deixa sem asas.
Sei que é um momento passageiro que tudo passa e até ela passará
Sei que eu deveria ser mais forte e derrotá-la logo
mas é uma luta interna , invisível, com lâminas poderosas
que cortam  a carne em diagonal e profundamente.
Também sei que amanhã já é setembro
e que a primavera logo chegará perfumando o vento
e, certamente, estarei melhor, mais forte e a sorrir.
Que esses cortes sazonais, essa tristeza gregoriana,
esse desgosto instalado se pulverizará como mágica.
Então, Maria, eu deixarei as canções tristes para o próximo mês de agosto.


Paulo Francisco

Momento

Sim, Maria, eu estou triste.
Não é uma tristeza de hoje
uma tristeza repentina
que chega e pronto
Não, não é.
É uma tristeza antiga
que chega em datas importantes
em  dias comemorativos
em dias quentes/ em dias frios.
Digo-lhe que é uma tristeza necessária
Uma tristeza verdadeira e que só a mim compete.
Sim, Maria, eu estou triste.
É uma tristeza só minha, que vem e vai como nuvens
- um dia branca, noutro cinza.
E como elas: desaparece, se vai ao vento.
Ou simplesmente chora regando-me a alma
Sim, Maria, eu estou triste
- Mas passará certamente.



Paulo Francisco

Preguiça

De olhos fechados
sentia
a claridade daquela manhã.
Sol, céu, vento, flores e cores
paisagem existente do outro lado da vida.
De olhos fechados
ouvia
sentia
que o dia começara e ele tinha que acordar.
Ainda dormindo ele levantou sorrindo
como se fosse levitar.
[Dorme menino, dorme...
Ainda está cedo para brincar.]




Paulo Francisco

Escuridão

Tateava em busca de apoio
passos curtos
tinha medo do escuro
Tateava a procura do mundo
seus olhos ainda vermelhos
embaçavam tudo.
Nem o sol, nem a lua
clareavam  a sua retina
só restaram somente
as cores de suas lembranças.

Paulo Francisco

Às escuras

Não enxergava nada
estava cego
desesperadamente cego
alucinadamente cego
perdidamente cego
estupidamente cego
Não enxergava mais nada
estava cego e sem ego.

Paulo Francisco

Causa

Cisco danado
alagou-me os olhos
embaçando tudo
Deixou-me tudo vermelho
os olhos
as faces
a lua
e a alma também.


 Paulo Francisco

Possibilidade

 Ainda posso andar quando estou triste
caminhar por ruas enfeitadas por flores
acompanhar os piados das aves ao longe
deixar o frio vento levar os meus pensamentos
molhar os meus pés na corrente do rio
Ainda posso fazer tudo que sempre fiz
em dias alegres, mesmo estando eu triste
Porque a tristeza só existe em mim
agasalhando-me por dentro
aprisionando-me a alma
maltratando-me o corpo
sem dó
Ainda posso sorrir quando estou triste
disfarçar todas as dores habitadas
em velhas canções
Ainda posso sonhar quando estou triste
acreditar em outros adeuses
em outros amores
em outras luas
em outros céus
Ainda posso, eu sei, mesmo estando triste,
ser feliz outra vez.



Paulo Francisco

Jardim

Eram flores miúdas selvagens
que enfeitavam o meu caminho
de peregrino solitário
Florzinhas brancas brotando
do tapete verde do campo
e
cravejando minha alma triste
Eram flores miúdas
branquinhas
alegrando a monotonia
da amplidão do verde vale
Foram as flores branquinhas
selvagens
que insistiram em mostrar-me
um outro caminho
Caminho habitado por outras flores
maiores
menos selvagens
e
mais coloridas




Paulo Francisco

Sede




Preciso tanto
mas tanto
tanto
tanto
de sua voz amiga
de suas mãos firmes
de seu sim preciso
de seu não seguro
desse teu sorriso
de seus abraços
em meu quarto escuro
Preciso tanto
mas tanto
tanto
tanto
que não sei mais o quanto
do tanto que eu preciso
É tanta saudade guardada
São tantas lembranças retidas
que o sono vem e vai
em madrugadas infinitas
Eu preciso tanto
mas tanto
tanto
tanto
de você aqui comigo
mesmo que em silêncio
ao meu lado dormindo.


Paulo Francisco

Viagem

Meu pensamento vai longe
vai além, muito além
muito além da linha horizontal
que meus olhos alcançam
muito além da verticalidade
que o sol permite-me olhar
Meu pensamento vai longe
muito longe
Ele chega até onde meu coração
pode alcançar.
Pergunto:
- Por onde anda o meu coração?



PauloFrancisco

Incerto

Talvez eu não seja de muitas palavras
mas também não sei ser de poucas
O meio termo não me completa
Mas, o que me transborda então?
Ah, as palavras mágicas; as palavras simples,
tão mágicas como o nascer do dia
tão simples como uma flor no campo
Tão mágico e simples como um pingo de água
respingado de ti.
Talvez eu não seja de muitas palavras
Mas sei muito bem o que quero ouvir.


Paulo Francisco

Dança




Na ponta da rima
a língua afiada
como a faca
que cortava o vento
à procura de briga.
Era desafio
Era cantoria
Era dança
Era pernada
Gingados
Balanço de corpo
Cabeça pra baixo
Pernas pra cima
Giravam feito um pião
Voavam feito um falcão.


E eu olhando, de longe, acompanhando o ritmo das batidas das mãos.



Paulo Francisco

Luz

O sol chegou silencioso
brando
macio
Aquecendo a pele
derretendo as brumas
limpando a paisagem
iluminando os olhos
revelando o mundo.
O sol chegou leve
suave
penetrando pelas frestas
desnudando o quarto
dourando-lhe o corpo
mostrando-me a alma.
O sol chegou breve
revelando tudo à minha volta.

Paulo Francisco

Pedido

Me ame agora
Nesse exato instante
simplesmente me ame
Me ame
neste instante existente
Neste instante de vento forte
Neste instante de silêncio cúmplice
Me ame
Simplesmente me ame
Me ame simplesmente
Me ame
Me ame  tanto
como eu te amo agora.


Paulo Francisco

Nova

Era uma noite sem brilho
Uma noite fosca
nublada
gelada e solitária.
Era uma noite triste
Uma noite chorosa
viúva
pobre e abandonada.
Era uma noite sem reflexo
uma noite sem testemunhas
sem cúmplices e sem amantes.
Era simplesmente uma noite
Uma noite qualquer
qualquer
como qualquer uma sem lua.


Paulo Francisco

Disfarce

No dedo um anel de pedra vermelha
No pulso uma pulseira de pedras vermelhas
No pescoço um colar de pequenas pedras vermelhas
No coração, o vermelho ainda existia
mesmo tendo a sua alma em luto.

Paulo Francisco

Ânimo

O vento invadiu o meu quarto com sopros suaves e gelados.
Despertou-me lentamente do meu sonho inocente.
Empurrou para dentro da cela, cegando-me, o brilho do sol.
O vento e o sol engolfaram-se casa a dentro, invadindo o meu íntimo.
Tornei-me, então, refém da claridade imposta.
Levantei-me para a árdua tarefa de encarar a vida.
O sol e o vento chegaram ressuscitando-me o dia. 



Paulo Francisco

Raio X


Na chapa fotográfica
a caveira se mostrava
cabeça
tórax
membros
Pedaços revelados
- num chumbo quase negro
de quem padecia.

Paulo Francisco

Escolha

Gosto desta sombra silenciosa
quase melancólica
que cobre o meu corpo
e desperta-me a alma.
Gosto desta solidão escolhida
deste silêncio preguiçoso
que me acaricia a alma
e cria imagens vivas
à sombra de meus pensamentos.

Paulo Francisco


Concerto


Os braços abraçam
agarram
enlaçam
Prendem no peito
sonhos
desejos bons
Nuvens doces lambidas
sorvidas
e muito mais.
Os braços enlaçam
dois corpos molhados
Corações colados
abrasados
- gangorra aos céus
vai e vem pulsados
Bomba-atômica amorosa
hilariante/demente
semente a aflorar
Rosa desabrochada
pétalas encarnadas
soltos no ar
E os braços rendidos se abrem
libertando a alma romântica
deixando-a solta a flutuar.

Paulo Francisco


Verdade



Não acreditem nos poetas
- Eles não existem
Acreditem!
Eles não possuem asas
não viajam em céus mágicos
não caminham em espelhos d´água
não flutuam juntos as estrelas
não conversam com a lua
não morrem de amor
Não, não acreditem nos poetas
- Eles não existem
Acreditem
somente em suas almas
somente em suas poesias
Elas sim, existem.


Paulo Francisco

Inspiração

Encantam a minha insônia
o canto dos passarinhos matutinos
Já passam das cinco.E a poesia acorda
Ouço, além dos pássaros, a voz nervosa
do Concretista Comunista.
Ele fala
Ele explica
Gesticula
Declama!
Ouço mais que poesia
Ouço além dela
Além dos passarinhos.
Ouço-me além de meus olhos
Minha alma fala comigo.

Paulo Francisco

Talvez

A cadela uivava alucinadamente
na madrugada agitada e fria
Queria ela, a cadela, companhia?
O vento passava aos gritos
balançando tudo
Queria ele, o vento, um abrigo?
A manhã nasceu visualmente pardacenta
manhã fria e triste
Queria, ela, a manhã, outra cor?
Acordei quase ao meio dia ainda sonolento
com o meu corpo cansado e fraco
Queria eu um novo corpo?
Tentei escrever este poema
Queria ele, o poema, ser outra coisa?
[Talvez]

Paulo Francisco

Oposto

Ando meio descontente
Um tanto quanto esquecido
Meio bicho...
Meio gente...
Um tanto quanto mitológico
Um tanto quanto pré-histórico
Meio gente
Meio bicho
Às vezes alado
Às vezes peregrino
Têm horas que eu choro
Têm horas que eu sorrio
Durmo mais que devo
Sonho menos que preciso
É um ziguezague no caminho
É um ziguezague indefinido
Ando um tanto quanto vagaroso
Um tanto quanto aflito
Um dia sol
Um dia lua
Um dia vento
Um dia chuva
Ando meio descontente
Um tanto quanto doente
Com a alma dormente
Com os pés feridos.
Ando assim, Maria, sem saber...
um tanto quanto meio perdido.



Paulo Francisco

Profundo

Trago n´alma mais que poema
mesmo ainda sendo pedra
Trago n´alma mais que poema
mesmo sendo ainda pedra
Quem dera pudesse ser um poema
aberto por completo
onde meus medos fossem mostrados
meus amores revelados
minhas cores diluídas
minhas tristezas sepultadas
e meus pecados perdoados
Ah, tiro d´alma os meus desejos
os meus anseios
e doo a esse texto em forma
de poema declarado.
Trago n´alma mais que tudo
amor de pai
amor de filho
amor materno
amor fraterno
amor amigo.
Trago no fundo dela
no fundo de minha alma
mesmo ainda  sendo pedra
um Deus vivo.

Paulo Francisco

Fim


E na despedida
o encontro
          dos olhos
o encontro
         dos lábios
- há na união dos corpos
         um abraço apertado
                            gritando: Não!
Almas que se afastam
olhos que se alagam
mãos que se desprendem
          querendo ficar.
- do nó desatado
            restou-se apenas a fita
                             do laço desfeito.

Paulo Francisco

Semelhança


Lá fora os cães ladram
ferozmente.
Em matilha saqueiam
os sacos pretos de lixo
depositados na rua
- estão com fome, coitados.

Em madrugadas frias
junto aos cães
- um aglomerado maltrapilhos
em busca de tesouro:
lata
plástico
papelão.

Lá fora os cães ladram
e os homens esmolam
em madrugadas frias
aquecidas por uma garrafa
de pinga.


Paulo Francisco

Cofre


Guardo em meu bolso sonhos que pego no ar.
São sonhos leves que chegam e vão com o vento.
Dos que eu guardo, tento aproveitá-los.
Hoje mesmo, peguei um da coleção e o materializei.
Transformei um velho sonho em realidade.
Guardo em meu coração tudo aquilo que é bom.
Guardo nele meus amores...
Tenho na primeira caixinha de madeira
um nome pintado de dourado.
Quem sabe, um dia, não o materializo em você.

Paulo Francisco

Desencontro







No centro da mesa
o vaso de porcelana
denunciava o vazio
[não havia flores
não havia amor]
No vidro da mesa
o reflexo
de um único rosto
- o dela.





Ao chão, a taça de vinho
vazia
denunciava
numa noite fria de outono
a solidão
- a dele.




E a lua se foi
quando o sol
chegou



Ele subiu, ela desceu
Ele acordou, ela dormiu




Um no ocidente
o outro no oriente



Almas perdidas
nos dois extremos
do mundo.


Unidos somente
pelo desejo
existente.


De não ficarem sós!







Paulo

Francisco







Manhã






A lua hoje não veio. O céu a escondeu em seu manto negro.
E a dama-da-noite, triste por não vê-la, chorou a noite inteira.
O vento – cúmplice do meu silêncio – cantarolou baixinho
uma canção de saudade. Eu a segui em passos lentos;
e as folhagens dançarinas acompanhavam a melodia
em sincronia, fazendo-me companhia.
Cheguei ao meu destino junto à aurora multicolorida.
E, aos poucos, o senhor Sol saudou-me com sua luz.
O ventou, que nunca parou, trouxe consigo o cheiro de anis.
E o meu grito de alívio ecoou por todo o Vale.

Paulo Francisco

The end


E quando chegou ao fim
abraçados ficamos
encharcados ficamos
colados - atados na incerteza
de tudo
E ajoelhados pedimos perdão
pela despedida desmedida
de uma paixão perdida
no meio do caminho
sem carinho
abandonados no ninho
de um velho amor.
E quando chegou o fim
choramos por um amor
que ainda ficou.

Paulo Francisco

Muito ramântico



Ouço canções de amor
porque é dele que me nutro.
Sou folha de outono em ruas desertas
a se movimentar em zigue-zague
à procura de uma porta aberta para entrar.
Ouço canções de amor porque nelas tenho
certeza de que nada foi inútil.

Paulo Francisco

Composição



Ainda farei um samba - um samba rasgado
cheio de pecado/ cheio de emoção/cheio de perdão/ de alma rasgada/de vida ingrata/de dupla traição.
Ainda farei uma canção – um samba – um samba canção
Ainda farei um samba – um samba de amor - meu amor.
Cheio de esperança/cheio de verdade/ cheio de paixão/ cheio de céus e luares.
Ainda te farei uma canção – uma canção de nós dois.
Um samba sagrado
Meu AMOR.

Mudança







Foi daqui de minha Varanda que tive a melhor visão de tudo, e os sentimentos brotavam como flor em solo fértil – atravessavam os muros.
Também foi a partir dela que delirei, chorei, transmutei-me para céus azuis e negros.
Foi a partir dela que também brotaram espinhos em cactos de desamor. Desterrei muitas dores – coisas da vida.
Foi da varanda da minha casa que te sonhei minha, foi a partir dela que me descobri seu. Se não deu! Problema... Um dia há de dar.
Ah, quantas vezes, na rede, conectei-me a ti e tingi-me sem querer de Petit  Syrah em vais e vens delirantes. Lambuzei-me de gozo e pinot noir.
Ah, foram tantas e mesmo assim ainda foram poucas as taças de Carbenet Sauvignon ou Carmenère misturados em salivas amorosas.
Foi da Varanda da minha casa que cantei à lua e naveguei em nuvens.
Fiz-te nua em noites serenadas.
Fiz-te luz em noites sombrias.
Ah, quantos companheiros e companheiras estiveram nela a fazer-me companhia poeticamente.
Quantas e quantas vezes eu expurguei em gritos o vurmo existente em minha alma mal amada.
E quantas outras os meus gritos foram de gozo e satisfação.
Foi a partir da varanda da minha casa que colecionei amigos. Fui presenteado e presenteei alguns deles. Mas não me deixo enganar: Tiveram alguns invejosos e incompetentes em peles emprestadas.
Nela, estiveram Fadas e Bruxas; Senhoras e Prostitutas; Anjos e Capetas; Poetas e Vagabundos.
Desenhei e pintei com palavras o mar, a montanha, o sol, a lua e gente.
Tracei e percorri caminhos lunáticos. Levei comigo todos que, como eu, viajam em poemas construídos.
Era da varanda da minha casa que banhava o meu corpo nu com o vento noturno – tirava de mim todo o peso de um dia mal resolvido.
Era dela que partia e retornava de minhas viagens transcendentais.
Hoje, sentado aqui em sua soleira, escrevo este texto de desapego. Não um desapego pela indiferença, mas sim pela despedida necessária. Vontade de mudar.
Certamente estarei nela de quando em vez, porque aqui ainda é a minha casa, e é aqui que fica a minha rede pra descansar. É daqui, da varanda da minha casa, que me abrigo das chuvas.
Desço dessa realidade instalada e caminho para o outro lado da casa – o meu quintal.
Descobri que nele, há vento, há sossego, há pássaros e há sol.
Tem toda diversidade que preciso neste instante impreciso.
Descobri que nele há uma longa subida e um Varal de Cores sortidas.
Então não bata na porta, dê a volta e vá para o fundo da casa. Pois é lá que me encontrarás.










Varal de Cores

(meu novo blog)

Paulo Francisco

Lembrança








E os botões começaram a desabrochar em meu jardim
São rosa intensamente vermelha, intensamente flor.
Ah, este meu jardim de flores, meu jardim de cores,
que perfumam e colorem a varanda da minha casa,
que trazem vida ao meu corpo velho e agônico.
Flores e cores que ressuscitam, todos os dias,
o meu pensamento, a minha existência...
E no céu, depois do azul, encontra-se a constelação de amigos.
Amigos que amei; amigos com quem chorei.  Amigos.
E distante de todos eles, uma estrela a brilhar, uma estrela a esperar.
Estrela de minha vida, estrela companheira, estrela-guia, estrela-flor.
Sinto muito frio nestes momentos vazios. Estou com frio agora.
Venha! Traga consigo o calor da paixão, o calor que reviverá este meu corpo aflito.
Venha! Traga consigo a leveza de teu sorriso e contagie-me com a tua alegria.
Acabe com a palidez de minha alma e refaça-me em cores vivas, em cores quentes.
Preencha o vazio de meu quarto com o teu cheiro, com teu amor.
Venha! Vamos juntos namorar a lua deitados em nosso ninho de linho
Venha amada! Venha... Venha sim.
Ensina-me a fazer poema.
Ensina-me a não mais chorar de amor.
Seja, hoje, minha namorada. E amanhã também.
E caso não queira, ensina-me, então, a esquecer-te, porque sozinho não serei capaz.
Hoje, meu amor, os botões começaram a desabrochar em meu jardim
São rosas intensamente vermelhas, intensamente flor.
Hoje, amor, eu acordei assim:
Com saudade de ti.
Saudade de nós.
Saudade, amor
Saudade.

Paulo Francisco

Indelével








Ainda tenho aquele beijo marcado em minha face.
Foi um beijo suave, pouco demorado
Um beijo  aparentemente angelical
Um beijo que me paralisou por alguns segundos
Ainda tenho o seu beijo marcado em minha alma
e o punhal manchado de sangue.
Guardarei pra sempre o seu beijo em minha face
e a cicatriz do lado esquerdo do peito.



Paulo Francisco

Eternidade








Não tinha mais que vinte anos
Não tinha mais que uns tostões
Não sabia mais que vinte frases
Não sabia além de mim
Precisei de mais vinte anos
pra descobrir que ainda
precisaria de mais vinte
para chegar até a ti.
Nunca é tarde, nunca é tarde
Quando se tem o pressuposto
de mais vinte anos junto a ti.





Paulo Francisco

Alerta








Como eu gostaria de te sacudir
sacudir, sacudir, sacudir
até os meus braços cansarem
até as minhas lágrimas secarem
até o teu coração voltar a bombear
Como eu gostaria de te dizer
repetidamente:
Acorde
Acorde
Acorde, meu amigo!
Mas não serei eu que te fará isso
Não serei eu que te sacudirá até que acordes para o mundo
A vida, meu amigo, tem braços mais fortes, tem a voz do tempo
que gritará brandamente em teus ouvidos o que é pra ser dito
A vida, meu amigo, e já dizia o poeta, é uma só.
Refaça teus passos
Descubra os teus erros
e quem sabe assim não precisaremos sacudi-lo
porque a vida é uma só, mas o mundo, meu amigo,
tem muito mais, é muito mais que a tua vida medíocre.
Acorde, meu amigo
Acorde
Acorde pra vida.


Paulo Francisco

Presente





Para ti criarei um dia como o de Sophia
- Puro
Livre dos impuros
Compartilharei somente com o vento e com o mar
esse nosso amor sem deuses
Criarei com a claridade do sol e com a certeza da lua
um lugar seguro
protegido dos olhos alheios
de mentes  malevolentes
e de seres pequenos
Para ti criarei um mundo com luas e estrelas
com sol e vento.
com manhãs eternas
com tardes quentes
chuva no finalzinho de todos os dias pra lavar o céu
e brilhar a noite
Para ti criarei um mundo com mares e montanhas
para que não tenhas NUNCA terror de me amar.





 Paulo Francisco

Recado






Não cobre de mim
a métrica
a rima
a teoria criada
Pois não faço nada
além de escrever
aquilo que sei.


Paulo Francisco

Incoerência




Na esperança de sermos melhores
esquecemos de sê-lo
esquecemos, naturalmente, de tê-la.

Paulo Francisco