Elegia

Ainda estou por aqui Maria
sem ideia
sem vontade
sem querer
Ainda muito triste.
No momento sem vontade de viver
Não, não quero morrer de verdade.
[Simplesmente não quero viver sem ela.]
Amanheceu, entardeceu, o sol se foi
e eu não sei como está o céu
Com lua?
Estrelado?
Metileno?
Vermelho?
Embaçado?
Não sei...
O que eu sei, Maria, que ainda há uma tristeza tingida
que aperta
que sufoca
que cobre a minha alma e a deixa sem asas.
Sei que é um momento passageiro que tudo passa e até ela passará
Sei que eu deveria ser mais forte e derrotá-la logo
mas é uma luta interna , invisível, com lâminas poderosas
que cortam  a carne em diagonal e profundamente.
Também sei que amanhã já é setembro
e que a primavera logo chegará perfumando o vento
e, certamente, estarei melhor, mais forte e a sorrir.
Que esses cortes sazonais, essa tristeza gregoriana,
esse desgosto instalado se pulverizará como mágica.
Então, Maria, eu deixarei as canções tristes para o próximo mês de agosto.


Paulo Francisco

Momento

Sim, Maria, eu estou triste.
Não é uma tristeza de hoje
uma tristeza repentina
que chega e pronto
Não, não é.
É uma tristeza antiga
que chega em datas importantes
em  dias comemorativos
em dias quentes/ em dias frios.
Digo-lhe que é uma tristeza necessária
Uma tristeza verdadeira e que só a mim compete.
Sim, Maria, eu estou triste.
É uma tristeza só minha, que vem e vai como nuvens
- um dia branca, noutro cinza.
E como elas: desaparece, se vai ao vento.
Ou simplesmente chora regando-me a alma
Sim, Maria, eu estou triste
- Mas passará certamente.



Paulo Francisco

Preguiça

De olhos fechados
sentia
a claridade daquela manhã.
Sol, céu, vento, flores e cores
paisagem existente do outro lado da vida.
De olhos fechados
ouvia
sentia
que o dia começara e ele tinha que acordar.
Ainda dormindo ele levantou sorrindo
como se fosse levitar.
[Dorme menino, dorme...
Ainda está cedo para brincar.]




Paulo Francisco

Escuridão

Tateava em busca de apoio
passos curtos
tinha medo do escuro
Tateava a procura do mundo
seus olhos ainda vermelhos
embaçavam tudo.
Nem o sol, nem a lua
clareavam  a sua retina
só restaram somente
as cores de suas lembranças.

Paulo Francisco

Às escuras

Não enxergava nada
estava cego
desesperadamente cego
alucinadamente cego
perdidamente cego
estupidamente cego
Não enxergava mais nada
estava cego e sem ego.

Paulo Francisco

Causa

Cisco danado
alagou-me os olhos
embaçando tudo
Deixou-me tudo vermelho
os olhos
as faces
a lua
e a alma também.


 Paulo Francisco

Possibilidade

 Ainda posso andar quando estou triste
caminhar por ruas enfeitadas por flores
acompanhar os piados das aves ao longe
deixar o frio vento levar os meus pensamentos
molhar os meus pés na corrente do rio
Ainda posso fazer tudo que sempre fiz
em dias alegres, mesmo estando eu triste
Porque a tristeza só existe em mim
agasalhando-me por dentro
aprisionando-me a alma
maltratando-me o corpo
sem dó
Ainda posso sorrir quando estou triste
disfarçar todas as dores habitadas
em velhas canções
Ainda posso sonhar quando estou triste
acreditar em outros adeuses
em outros amores
em outras luas
em outros céus
Ainda posso, eu sei, mesmo estando triste,
ser feliz outra vez.



Paulo Francisco

Jardim

Eram flores miúdas selvagens
que enfeitavam o meu caminho
de peregrino solitário
Florzinhas brancas brotando
do tapete verde do campo
e
cravejando minha alma triste
Eram flores miúdas
branquinhas
alegrando a monotonia
da amplidão do verde vale
Foram as flores branquinhas
selvagens
que insistiram em mostrar-me
um outro caminho
Caminho habitado por outras flores
maiores
menos selvagens
e
mais coloridas




Paulo Francisco

Sede




Preciso tanto
mas tanto
tanto
tanto
de sua voz amiga
de suas mãos firmes
de seu sim preciso
de seu não seguro
desse teu sorriso
de seus abraços
em meu quarto escuro
Preciso tanto
mas tanto
tanto
tanto
que não sei mais o quanto
do tanto que eu preciso
É tanta saudade guardada
São tantas lembranças retidas
que o sono vem e vai
em madrugadas infinitas
Eu preciso tanto
mas tanto
tanto
tanto
de você aqui comigo
mesmo que em silêncio
ao meu lado dormindo.


Paulo Francisco

Viagem

Meu pensamento vai longe
vai além, muito além
muito além da linha horizontal
que meus olhos alcançam
muito além da verticalidade
que o sol permite-me olhar
Meu pensamento vai longe
muito longe
Ele chega até onde meu coração
pode alcançar.
Pergunto:
- Por onde anda o meu coração?



PauloFrancisco

Incerto

Talvez eu não seja de muitas palavras
mas também não sei ser de poucas
O meio termo não me completa
Mas, o que me transborda então?
Ah, as palavras mágicas; as palavras simples,
tão mágicas como o nascer do dia
tão simples como uma flor no campo
Tão mágico e simples como um pingo de água
respingado de ti.
Talvez eu não seja de muitas palavras
Mas sei muito bem o que quero ouvir.


Paulo Francisco

Dança




Na ponta da rima
a língua afiada
como a faca
que cortava o vento
à procura de briga.
Era desafio
Era cantoria
Era dança
Era pernada
Gingados
Balanço de corpo
Cabeça pra baixo
Pernas pra cima
Giravam feito um pião
Voavam feito um falcão.


E eu olhando, de longe, acompanhando o ritmo das batidas das mãos.



Paulo Francisco

Luz

O sol chegou silencioso
brando
macio
Aquecendo a pele
derretendo as brumas
limpando a paisagem
iluminando os olhos
revelando o mundo.
O sol chegou leve
suave
penetrando pelas frestas
desnudando o quarto
dourando-lhe o corpo
mostrando-me a alma.
O sol chegou breve
revelando tudo à minha volta.

Paulo Francisco

Pedido

Me ame agora
Nesse exato instante
simplesmente me ame
Me ame
neste instante existente
Neste instante de vento forte
Neste instante de silêncio cúmplice
Me ame
Simplesmente me ame
Me ame simplesmente
Me ame
Me ame  tanto
como eu te amo agora.


Paulo Francisco

Nova

Era uma noite sem brilho
Uma noite fosca
nublada
gelada e solitária.
Era uma noite triste
Uma noite chorosa
viúva
pobre e abandonada.
Era uma noite sem reflexo
uma noite sem testemunhas
sem cúmplices e sem amantes.
Era simplesmente uma noite
Uma noite qualquer
qualquer
como qualquer uma sem lua.


Paulo Francisco

Disfarce

No dedo um anel de pedra vermelha
No pulso uma pulseira de pedras vermelhas
No pescoço um colar de pequenas pedras vermelhas
No coração, o vermelho ainda existia
mesmo tendo a sua alma em luto.

Paulo Francisco

Ânimo

O vento invadiu o meu quarto com sopros suaves e gelados.
Despertou-me lentamente do meu sonho inocente.
Empurrou para dentro da cela, cegando-me, o brilho do sol.
O vento e o sol engolfaram-se casa a dentro, invadindo o meu íntimo.
Tornei-me, então, refém da claridade imposta.
Levantei-me para a árdua tarefa de encarar a vida.
O sol e o vento chegaram ressuscitando-me o dia. 



Paulo Francisco

Raio X


Na chapa fotográfica
a caveira se mostrava
cabeça
tórax
membros
Pedaços revelados
- num chumbo quase negro
de quem padecia.

Paulo Francisco

Escolha

Gosto desta sombra silenciosa
quase melancólica
que cobre o meu corpo
e desperta-me a alma.
Gosto desta solidão escolhida
deste silêncio preguiçoso
que me acaricia a alma
e cria imagens vivas
à sombra de meus pensamentos.

Paulo Francisco