RAIOATIVO
















Estamos tão energizados
quando amamos, amamos
quando odiamos, odiamos.
Tudo está tão intenso – subatômico
que a qualquer hora explodiremos
seremos, individualmente, uma bomba
atômica, desumana, suicida...
Seremos?
Ou já somos!?
Quem dera usarmos esta energia
numa explosão de flores,
numa explosão de cores.
Seria tão bom!



FACES



















Danço
rodopio
declino
flutuo
sou ave
a voar
sou peixe
a nadar
sou homem
a imitar
imito-me
todos os dias
rotina necessária
sobrevivência
diária
sou imitador
de todas as dores
de todos os rancores
e como a felicidade
chega de repente
sou inteiro
não dá para imitar
este sentimento
tão verdadeiro
e aí eu canto
danço
declino
flutuo
sou homem
a amar

TEMPO



































Olho para baixo e vejo
um cemitério de folhas
mortas e barulhentas
tapete de lâminas
marrons e quebradiças
olho para baixo e vejo
no espelho d´água
meu rosto vincado

INCÓGNITA


















Não tente me traduzir
porque nem eu mesmo sei
o que serei amanhã
um vento?
um raio?
um pássaro?
um ponto?
pó!?
Não sei...

NUDEZ
















Dispo-me de tudo
e sigo neste mundo
à procura de algo
que se perdeu.
Deixo para trás
verdades e mentiras
e sigo em frente
colhendo flores
campestres e ilusões.
Sei que tudo é cíclico
elíptico
cinético
E o meu ectoplasma
menos difuso
e mais colorido
anuncia aos outros
fantasmas
minha evolução

TORRENTE



Ela veio intensa
furiosa
grita lá fora
bate em minha porta
deixa-me aflito
com sua insistência
sinto seu cheiro
trazido pelo vento
sou pequeno
diante de tanta
beleza
sou frágil
diante de tanta
nobreza
acovardo-me
diante de tanta
força
Ela continua potente
intensa
furiosa
gritante
E eu... débil
calado
paralítico
vencido por ela...
A chuva.

VONTADE



Pudera com minha paleta de cores
desenhar o arco-íris neste céu cinzento
acabar com o sofrimento e todas as dores
deste povo perdido e sem alento...
Quisera ter a força do vento
para assoprar em um só pensamento
pra bem longe, mar adentro
as nuvens que aqui descarregam
águas que já foram sagradas
e que hoje trazem desgraça
deixando esta gente desamparada
perdida no tempo e sem nada.
Pudera ter o calor solar
para derreter as nuvens
para aquecer o tempo
e transformar lágrimas em flores


12 DE JANEIRO

Hoje, eu estou triste
ainda não chorei
mas meu peito
está em prantos...
Aqui, em minha cidade
o céu chorou a noite toda
ele chorou...
berrou...
xingou...
soltou labaredas azuis
anunciando o caos
[eu não dormi]
Hoje, eu estou de luto
não sei, ainda, se perdi
alguém conhecido
mas, certamente, perdi
alguém
perdi uma mãe
um pai
um filho
um sobrinho
um primo
uma avó
um avô
um vizinho
uma família inteira
mesmo que não sejam
meus... eu perdi
talvez eu tivesse que mudar
o tempo do verbo
o tempo...
Tempo que não tem misericórdia
que não pede licença
mas que educadamente avisa
manda recado
e nós, que somos absolutos
[pensamos que somos absolutos]
não damos ouvidos a ela:
a natureza - a mãe natureza
que de quando em quando
se transforma em madrasta.
Hoje, eu estou de luto
ainda não chorei
Talvez, porque não queira
colaborar com o aumento
do nível da água
que jorrou do céu
água que carregou sonhos
que carregou vidas.
Eu ainda não dormi
Como dormir ouvindo
a sirene apavorada
anunciando a chegada
de mais um corpo?.
Vivo?
Morto?
Não sei...
Meu coração bate
meu corpo não aguenta.
meus olhos vermelhos
pedem cama
ainda não chorei...
ainda não dormi...
Eu...eu estou de luto

DISTURBIO


Todos os pensamentos mergulhados num só objetivo - o mesmo pensar, a mesma obsessão. Confuso amor-paixão. Sentimento esclerosado, pesado, caído num mundo abissal. Tudo escuro, tudo negro. Perdido por inteiro: efeito – desilusão.
E por um segundo, um clarão, pensamento desfeito - desengatilhado.
Todos os pensamentos recuperados – principalmente a razão.

DECLARAÇÃO















Faço de minha poesia
o meu testamento
deixo em versos
o meu maior patrimônio:
o amor

DUALIDADE


















Às vezes acordo tão caipira
café com broa de milho
conversa na beira do fogão
lembranças dos velhos amigos
e riso de montão
Às vezes acordo tão moderno
tomo café na cama
leio os e-mails importantes
leio o primeiro caderno
vejo televisão
Ás vezes acordo tão atrasado
tudo fica tão apressado
que chego ficar irritado
tomo uma ducha fria
não dou bom dia
não quero falar não
Às vezes eu não acordo
fico o dia inteiro na cama
rolo de um lado pro outro
deixo tudo escuro
querendo que o dia acabe
pra no outro dia levantar
acho tudo tão esquisito
será que eu existo
ou sou ficção?

PERCEPÇÃO




















Não estou só.
Sinto as asas do vento
o arder do sol
de uma manhã fria
o arco sombreado
oferecido pela copa
do velho angico-branco.
Não, não estou só
tenho a espuma
das águas marinhas
das águas ribeirinhas
mesmo não sendo minhas
convido-as a ficarem
em meus pensamentos
lembranças longínquas
de uma infância barulhenta
Não. Não estou só.
tenho a visita repentina
do nervoso beija-flor
de borboletas bobinhas
e ao fundo sinto-me
observado, aqui sentado,
pelo gato da vizinha
que está proibido
de me visitar
pois tenho, além de mim,
três cadelas
pouco sapecas
que não deixa o felino entrar
Não estou só
Não, não estou só
tenho mais que preciso
tenho alguns amigos
e uma molecada
pra educar.

PRETENSÃO





























Não parei para pesar a vida
- a minha vida
só sei que o fardo poderá
ser levado por mais tempo
sem que eu me curve ao chão

BLACK BIRD

















E na madrugada de ontem
a ave noturna invadiu meu espaço
feriu meu peito
cantou suave
e voou
e nesta madrugada
de peito aberto
fiquei à espera
da ave noturna
que não cantou.

TURBULÊNCIA















Relâmpagos - trovões
Raios – descargas vitais
Vento – ventania - monção
Chuva – tempestade - verão
Moinhos de energia
Tempestades emocionais

PAPEL MARCHÉ









Quando meus sonhos eram feitos de papel


Avião/ barco/máscara/bola
Lição de casa
Pipa voada
Balão japonês
Nem sei
Papel!
[concreto]
Quando minhas vontades são feitas de papel
Declaro
Escracho
Maldigo
Expurgo
Bendigo
Sei lá
Incluo!
[abstrato]
Quando a realidade é feita de papel
Intimação
Processo
Protesto
Será!
Assino
Recrimino
[real]
Quando a minha visão é feita de papel
Sonho
Vontade
Realidade
Verdade!?
Fantasia
Fogueira
Poesia
[surreal]

LEMBRANÇAS

Ouvi o pio da coruja
o barulho de folhas secas
o grito da ventania
e não era sexta-feira
[noite de lobisomem
e mula sem cabeça]
eram apenas lembranças
do tempo de menino
que ouvíamos atentos
as histórias de fantasmas
o barulho das correntes
em casarões assombrados
inventados por quem contava
imaginados pela criançada
e que mais tarde não dormia
apenas se escondia
com medo da velha bruxa,
do saci e do curupira.

CORPOS





















Transborda da taça
o líquido agridoce
da vida
Transborda do cálice
o liquido quente
da paixão
Transbordamento
de desejo,
de pensamento
Lampejos
Corpos fervem
numa mesma sinergia
Corpos em sonho
colados
lacrados
em calmaria.

TEMPORAL





















É chuva miúda que encharca
que apaga marcas deixadas
por queimaduras profundas
- loucuras de amor

É chuva miúda que carrega
consigo a dor de uma paixão
de ilusões adquiridas
em palavras profanas
- foi tudo amor

É chuva miúda que lava
bate na cara – desperta
- pura ilusão

É chuva miúda que não machuca
afoga as mágoas – alivia o peito
desfeito por quem partiu

É água que cai
que descama a pele grossa
saudade não permitida
parida/sofrida

É chuva miúda

É água sagrada

É chuva pedida
bem vinda
que limpa
apaga seu nome
do coração.

BANHO

















Chove!
Lavo meu corpo
na água da chuva
que cai.
Lavo minha alma
pesada/cansada
na chuva serena
que cai
Água, carregue consigo
deságue no rio
as lágrimas que caem.

CAMUFLAGEM












Escondido...
na sombra de um nome
viajo a lugares distantes
que outrora me seriam impossíveis
engano a ti
engano a mim
escondo-me numa invisibilidade
imperfeita
tapo meu rosto com as mãos
mas deixo revelado a alma
e um imperfeito coração.

MUDANÇA















Eu preciso com urgência
Sair desta melancolia
Desgraçada
Entranhada
Em minha alma
Eu preciso urgentemente
Encontrar a euforia
De ontem
Acho que preciso mesmo
É me renovar
Ser mais constante
Menos bipolar

ESTANQUE













Vedado...
Líquido contido
E não era sangue.

ESPIRAIS

















E a fumaça no quarto
desenha o passado
num suspiro
numa tragada
vejo o nada
pura melancolia
é o fim.

ULTRALEVE

















Ah! Pudera relaxar a musculatura
e num consciente desmaio
vencer a gravidade e levitar,
levitar
levitar...
Ah! Pudera ter asas
para batê-las
e na corrente quente de seu vento
planar
planar...
e nunca mais descer...