Temporal



Raios e trovões iluminavam e sonorizavam o meu medo
Meu corpo molhado pesava e dificultava o meu caminho
As árvores e os arbustos, antes perfeitos, como obras de Deus,
não passavam de esculturas sombrias naquela noite sem vida.
Não sabia se chegaria; não sabia se conseguiria vencer a água que caía.
Fora tudo de repente. Sem sinais. Sem aviso prévio.
Andava, parava, corria, escorregava e caía.
O que antes estava tão próximo as minhas mãos, ao meu corpo,
agora se encontrava distante, longe de meus olhos.
Raios e trovões iluminavam e sonorizavam o meu medo.
A chuva, insistente, lavava a minha pele, limpava a minha alma.
Aprontava-me, certamente, para o outro dia.
Um dia de sol e brisa.



Paulo Francisco

Outro Porto

Numa viagem imprecisa
à deriva
levado por ventos nervosos
sacudido por ondas repetidas
chegou quase morto à terra firme
Havia coqueiro e água de coco
Havia pássaros verdes e vermelhos
e uma brisa a cantar
Também havia montanhas
cobertas de verde rio de água pura
cavernas  desabitadas
e a solidão para lhe assombrar.


Paulo Francisco

Teimoso






Nada de flores
Nada de pássaros
Nada de cores
Nada de brilho
Tudo cinza
arrastado
aguado
frio.
Ele fechou o seu caminho
Insiste em ficar
_ Não é nada cavalheiro
Expansivo - Não deixa a sua prima entrar.


Paulo Francisco

Tempestade



O vento cortou-me a pele, empurrou-me para o lado, jogou-me contra as pedras.
Gritou repetidamente, como um louco, aos meus ouvidos.
Cegou-me em poeira doída e trouxe-me calafrio. Acordou o medo nunca antes sentido.
Cortou-me a face,  navalhou-me a alma,  sangrou-me os pulsos.
O vento cortou a corda que me atracava ao cais.
E sem forças para lutar, fiquei à deriva por horas a fio, cerrado numa inesperada partida.



Paulo Francisco

Celeste



E a noite chegou
com mais estrelas
mais marinha
mais lunar
mais minha.

Paulo Francisco

Olhar

Os raios solares furam as densas nuvens
transformando-as em espumas coloridas
As montanhas verde musgo, à sombra
de uma pré-noite silenciosa, aninham as aves,
escondem os gaviões e soltam os seus frutos.
Da janela de meu quarto, deitado em minha cama,
adormeço de olhos abertos à espera da lua.

Paulo Francisco

Olhos grandes

Meus olhos vidraram
marejaram
e raptaram
o que não era meu.

Paulo Francisco

Presença






Não foi o frescor do vento
Não foi o perfume das flores
Não foi a luminosidade do céu
Não foi a leveza do sol
Não foi a sombra das arvores
Não foi aquela paisagem de cores
Muito menos a música que tocava
Menos ainda a paz encontrada
Foi com toda certeza do mundo
a tua presença que me deixou sóbrio
sereno
e  muito mais humano.


Paulo Francisco



Alucinação

Estavam todos drogados
numa roda confusa
se aplicavam
se abraçavam
se beijavam
Estavam todos dopados
imundos
num mundo sujo.
E os que não estavam
[ aplicados, cheirados, fumados]
andavam entorpecidos
neste mesmo submundo.


Paulo Francisco

Entorpecido






Havia um assomo de esperança
Um assomo de arrependimento
Havia sim.
Ainda havia brilho em seus olhos
uma lasca de sorriso em seus lábios.
Havia sim.
Ainda havia cor em sua alma
um frescor em sua pele.
O vento espalhava o seu cheiro de flor.
Espalhava sim.


Paulo Francisco



Construção

A teia crescia a cada dia.
Construção milimétrica,
estrutura geométrica,
 a inquilina fazia.
[Construindo a sua casa
 recobria a minha.]
A teia crescia a cada dia.
Rendada a casa.
A casa se rendia
a renda da vizinha.

Paulo Francisco


Pintura

As amoras surgem entre as folhas e os morangos enfeitam os estolões
A chuva forte escorre pelo vidro da janela levando a poeira existente.
O sol vai, o sol vem e o arco-íris coroa e colore o céu azul.
O vento implora atenção, enquanto as folhas acenam um adeus.
A noite chega num marinho tachado de estrelas amorosas.
A lua laranja, uma beleza a parte, hipnotiza o meu olhar.
Tudo isto num único dia, tudo isto eternizado dentro de mim.



Paulo Francisco

O vento e o tempo

Entrego-me ao tempo-vento na esperança de voar.
Voa passarinho, Voa!
Corta o vento
Desafia o tempo
Bata as asas
Crie redemoinhos
Se transforme num menino.
Voa passarinho, voa!
Voemos nós neste tempo  imperativo.

Paulo Francisco

Memória






Setembro, se bem me lembro, havia flores no campo.
O céu, mais azul, tingia os nossos olhos de esperança.
Pernas desinibidas brotavam descobertas em parques e jardins.
Os pássaros cantavam nos galhos verdejantes e brilhantes.
As janelas, antes banguelas, ficavam denteadas por pétalas.
Os peixes, mais dourados, surgiam no lago da casa da vizinha.
Almas afloravam coloridas nas calçadas e praças.
Setembro, se bem me lembro, havia flores estampadas na mente da gente.
Tudo era mais divertido e florido e meus olhos ficavam mais coloridos.
Setembro, se bem me lembro, oficiosamente, já era primavera por aqui.


Paulo Francisco

Etéreo

As nuvens caminham silenciosas no céu.
Eu as contemplo silenciosamente do chão.
Elas caminham lentamente pelo fundo azul
e eu também giro grudado ao verde chão.
 Assopradas pelo vento se desmancham
em gotículas que caem  serenando a paisagem
refrescando
umedecendo
os meus olhos.
As nuvens caminham pelo céu
e eu voo aqui do chão.
Contrários, somos:
       Elas se desmancham em chuva
                                                                              Eu me construo vivo.
                               Elas caem derradeiras
                                                                              Eu levito em sonhos.
                               Elas renascem a cada dia
                                                                              Eu envelheço simplesmente.




Paulo Francisco