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Não quero gritar
não quero falar
Quero o silêncio
interno
discreto
Quero meu corpo
mudo
desfalecido
leve...
misturado às plumas
Quero continuar
aquecido
pelo mormaço
de meu quarto
Quero a janela fechada
a porta trancada
quero continuar
a sonhar
a levitar
Quero os olhos
fechados
as mãos juntas
entre os joelhos
quero o meu travesseiro
quero por mais uns instantes
continuar a dormir
 nesta penumbra.



RODA VIVA





















Inacabado tempo
que gira
giramundo
mundogira
gira o tempo
tempo gira
inacabado mundo
que gira!

HEBDOMADÁRIO

E este dia da semana que me fascina
que tem feira
que tem preguiça
E enquanto todos dormem,
eu vagueio em paralelepípedos irregulares
molhados pelo choro da noite
numa madrugada esquecida.
E é neste dia da semana que me torno livre
de bobeira, sem eira nem beira e feliz
O céu, vigia de meus passos trôpegos
de vagabundo, ilumina o meu caminho noturno..
E juntos a outros vagabundos:
boêmios, loucos, gatos, gatunas, morcegos e rampeiras
divirto-me
na contramão do tempo.
Adoro a noite,
adoro as estrelas,
adoro estes seres
do submundo
da segunda-feira.

ARDOR
















Fogo que arde
esquenta
queima
apoquenta como pimenta
destrói mucosa
racha a derme
bloqueia pensamento
labareda viva
impiedosa
ingrata
destruidora da paz
Fogo que água não apaga
que o vento só aumenta
o braseiro dentro de mim



NO VENTO


Quando você ouvir gargalhadas ecoando pelas montanhas e matas, não se espante: sou eu, morrendo de felicidade.
E se de repente olhar para o céu e uma nuvem lhe sorrir, retribua - Estarás sorrindo para mim.
E se de seu quarto ouvir uma melodia, abra a janela, sou eu em forma de chuva.
E depois de tudo isto, se você quiser me encontrar dê a mão ao vento, não tenha medo, eu não te deixarei cair.

SEDATIVO


















Anestesio, por hora, minha dor
minha culpa.
meu segredo
meu medo
Anestesio o tempo
faço-o parar
Anestesio a memória
por hora
não quero lembrar
Abro os braços no vento
rasgo o peito
a contento
deixo a vida entrar
danço no palco da chuva
sem lamento
deixo-me molhar
Anestesio a vida
entro na fogueira viva
de seu corpo
me esquento
com o ar de sua boca
Hoje, por hora, anestesio
a realidade
quero a alegria passageira
esquecer o cansaço
correr pra ti
Hoje quero tudo
sem culpa
sem medo
sem choro
sem dor
Hoje, conjuro seu corpo
fico bobo de amor

INVENCIONICE

























Inventei um amor
chamá-lo-ei de minha flor
inventei seu formato
seu perfume
e sua cor
Inventei uma flor
Vou chamá-la de meu amor
inventei seu coração
sua batidas
e suas emoções
Inventei você
[me inventei também]
Inventei o céu mais azulzinho
o sol mais amarelinho
a lua mais menina
e o vento sempre em brisa
pra nos acariciar
Inventei um mundo
meu mundo
Sou criador
de mim
e de você
- minha flor,
meu amor.

CERTEZA










Tem dia que o melhor é não acordar.
Ficar embrulhado no cobertor
Receber as refeições na cama
E o telefone não atender
Tem dia que o melhor é não ler o jornal
Escolher alguém pra ficar de mal
e tudo bem!
Tem dia que a carga é pesada - não dá pra segurar
Mas aí a gente levanta – não esquenta e vai à luta
– dá bom dia pro macaco e sorri pra vizinha
Tem dia que tentam nos derrubar – mas somos valentes
Damos uma volta na tristeza
Olhamos ao nosso redor e descobrimos gente
Que nos faz felizes
Ouvimos canções que nos transportam a jardins floridos
Primavera aquecida por cores, mesmo estando no outono.
Tem dia, moça, que procuramos a felicidade em endereço errado.
Somos assim:
Imprevisíveis na ação
Emocionais na razão
Irracionais no amor
Somos duos
Japão e Brasil
Água e fogo
Sol e lua
Emoção e razão
Mente e coração
O que fazer, se somos gente!?







AMANHÃ















Tenho saudade do dia que ainda não veio
Estou ficando mole e as lágrimas escorrem
com dificuldade em minha face
elas passam por caminhos construídos pelo tempo
tempo marcado, registrado em relevos
Minhas mãos tentam alcançar lembranças
Lembranças inexistentes - fantasias incoerentes
Estou ficando velho e cada vez mais apaixonado
pelo amanhã

Paulo Francisco


VÉU DE NOIVA

















A névoa caiu na cidade
num fim de tarde crepuscular
E o sorriso da noiva se fez estrelas
num céu todinho seu.
E a névoa, sem graça,
afastou-se por completo
permitindo a redonda lua
morrer de inveja
E a noiva, já sem o véu,
rodopiou no salão
os seus sonhos
as suas alegrias
e a sua realização.



FIM


















Quando saí de sua vida,
amor
levei comigo os meus discos
e muita dor
não quis as fotografias
fiquei com as lembranças
elas não são estáticas
e se movimentam
em mim
Quando saí de sua vida,
amor
levei comigo os meus discos
e você.






ESTIGMAS




Lava a cara
esfrega o corpo
Pragmático?
Corpo nu
sem espelho
Anacrônico?
Reflexivo
indeciso
Paranóico?
Prazer
bem-estar
Endorfina?
Medo
desespero
Adrenalina?
Porta trancada
janela fechada
Depressivo?
Exemplo
modelo
Paradigma?
E os dogmas são construídos
para serem quebrados
Anarquismo?
Livres pensamentos
Pensamentos livres

SOFRIMENTO



































É a dor parida
infinita
dor que caminha
que paralisa
dor em choro miúdo
em berros praguejados
Dor!
física
mental
Dor!
absoluta
estúpida
que invade a alma
que desespera
que abandona
maltarata
Dor!
que inflama
sanatório interno
inferno
É dor cuspida
xingada
É a dor da despedida
do ventre
É a dor
doída
doida
que escapa
que penetra
que espanca
É dor solitária
da evasão
da partida
É dor materna
eterna
Todas as dores
numa mesma carne
numa mesma alma
É a dormência
demência
clemência
E depois da dor
a solidão.



POETA II




Invento palavras
construo frases
fecho um texto
e desse jeito
me construo
em vidas alheias
perfeitas.
Ajeito meu mundo
num eixo oblíquo
me obrigo
ser feliz
e quem me vê
não diz
o quanto fui seu
Invento-me
construo e desconstruo
minha alma
[é necessário ser assim]
amalgamo em meu ser
tristezas e felicidades
Sim, me invento...
construo-me diariamente
me transformo em forte
em nobre
invento-me a cada segundo
transmuto-me a cada momento
ora alento
ora desalento
Sim... sou o próprio vento.










MEDÍOCRE





















Ele pensa, guarda, representa.
Tece palavras, mistura nada combinada.
Ele pensa que é o que pensa.
Mas não sabe nada
Ele enxuga
deixa enxuto
Retrata friamente
¨Desemociona¨
¨Concretóide celulódico¨
Aparência dura
burra
estúpida
Ele pensa...
resguarda- nacional
fica tudo igual
mediocridade abusiva
distorcida
de uma visão geral.


RECADO

Deixe de esperar
deixe de sentir saudade
Sonhar? Só com o futuro
um futuro seu
não dele
Passado? Já morreu
Enterre!
Crie algo novo
aprenda coisas novas
nade!
escale!
corra!
festeje!
grite!
Migalhas, só para os pombos.
queira banquete de verdade
invente cardápios
[experimente]
mude o paladar
seja levada pelo vento
manche a lua com seu beijo
aqueça o sol com seu corpo
ande nas estrelas
Não espere...
Corra!.






DESFILE






















E o mar passou
em tons azuis
clareou o céu
refletiu o mundo
apagou a chama
de outrora
e o que era fogo
se tornou água
marinha
água cristalina
E a águia divina
piou na avenida
virou fênix
surgiu das cinzas
E a minha Portela
navegou
banhou o peito
de quem sempre
foi campeã
As constelações
nos guiaram
para um mundo
azulindo
azul-portela
azul-divino



MERGULHO



































Entrei com tudo
e com a alma nua
me lavei.
De braços abertos
me permiti
dançar
rodar
e totalmente lavado
[aragem sem feridas
frestas permitidas]
cantei!
Cantei ao amor
cantei e espantei
a dor
Entrei com tudo...
desnudo
de mim
e com as mãos
juntas e erguidas
me entreguei
espalhado
molhado
em prata
E, ali, junto a chuva
pensei em ti
somente em ti.



FRENTE FRIA















Antecipada!
Metida!
Prometida pra mais tarde
chega antes
se antecipa
vem fina, silenciosa
e fria.
Decididamente
Uma intrusa!
Uma empata!
E mesmo sabendo
que está de passagem
ela fica estacionada
sem se importar
com mais nada
viaja milhas
só pra nos contrariar
perturbadora
de mim
de meus planos...
Se eu pudesse...
Ah! Se eu pudesse!
Desviaria de sua rota
fugiria dela
iria pra bem longe.
Afinal, ainda é verão
depois vem o outono
E que raio é esse
de tanto frio!?



ATRAÇÃO

















Quero todos os amores
possíveis e impossíveis
[quero ser encontrado]
fragmentado
embaralhado
reconstruído
Quero todos os amores
existentes
Quero a miscelânea
de sentimentos
de tempo
e estações
Quero no mesmo frasco
o amor e a paixão
Quero me tornar idiota
e viver a sorrir
me olhar e me descobrir
Quero todos os amores
entre mim e você
como um imã
nos fazendo único
e quando juntos
somente uma pele
e ao nosso redor
flores
e nada mais

DUPLO


















Trago em meu peito
dois corações
eles pulsam,
bombeiam em mim:
vontade
esperança
desejo.
Trago nele
nós dois



ENLAÇADOS




















Estão unidos
por fita invisível
e cada um segura
a ponta do laço
Estão envolvidos
como um presente
e como os presentes
são alegrias
e surpresas
Estão unidos
por uma fita
e cada um segura
a ponta do laço...

DELEITE



























Seu corpo no meu
minhas pernas
entre as suas
te enlaço e te guio
sinto-te toda
frágil
delirante
minha!
[ofego,
te arrepio]
e de olhos cerrados
em rodopios
sonhamos - flutuamos
esquecidos de tudo
dançamos o passado
dançamos o presente
e quando tudo acaba
corações acelerados
ainda adrenalisados
continuamos quentes
colados
querendo o futuro.

FOGO

Todos os beijos!
molhados
sequinhos
estalados
grudadinhos
Beijos comportados
assoprados
guardados
roubados
escondidinhos
Todos os beijos!
na testa dados pela tia
no queixo acompanhado
com uma mordidinha
nas bochechas entre dois amigos
no pescoço depois de um cheiro

Beijos assanhados
acompanhados de muitas mãos
Beijo de encontro / de despedida
Beijo que ferve, que dá partida
Beijo na nuca, que arrepia
Beijo de esquimó
Beijo que sara a dor
Beijo que explora
Beijo que marca território
Beijo que levita
e que tira o sapato
Beijo que te leva à lua
Beijo que te deixa nua
Enfim, todos os beijos
eu quero pra mim...

SUSPENSÃO











E no ponto final, a incerteza.
Fica em traços
rabiscos invisíveis
o pensamento acuado
E na incerteza do ponto
Reticências...