Liquefeito




Decantei o poema
numa  tarde lenta
e quente de primavera
Decantei-o vagarosa-mente
e dele guardei somente
o que me era importante:
o seu nome meu Amor.

Paulo Francisco

Avarandados





E no mesmo dia – à noite
a lua nos convidou 
a continuarmos como índios
permanecendo na rede
sentindo a fogueira
o estalar dos galhos
o céu estrelado
- e nós abrigados
pelo teto da varanda.

Por amar





Em seu pomar
tem flores e frutos
lago e peixinhos
banco de madeira
na sombra da mangueira
pra gente namorar.
Em seu pomar
tem preguiça e água fresca
tem rede e esteira
pra gente descansar.
Em seu pomar
tem cores e sabores
tem nomes e varanda
pra gente relembrar.

Brisa




Tenho medo de suas viagens
desse seu jeito de ir e vir
desapareces sem me dizer adeus
surges sem me dizer olá
Tu, que invadiste meu céu
que me agasalhaste em sorrisos
em madrugadas frias
Tu, que iluminastes meus olhos
com imagens, com poemas, com esperanças...
Tenho medo de suas repentinas viagens
deste jeito seu de ir e vir
Tenho medo do dia que fores
sem aviso prévio
e de uma maneira tua
somente tua
assim como chegastes com a lua
arrebatando-me o coração
vais embora
mesmo eu te dizendo não.





Perda



Quando se olhou no espelho
percebeu –se perdido no tempo
sonhou demais
arquitetou demais
Quando se olhou no espelho
descobriu que teorizou demais
 - a vida.

[Encantada]


Cuidado! Encantado é particípio
quem encanta não é o que delícia
até pode ser
mas neste caso, minha gente
cuidado!
o encantado é o encantador
adjetivo, entende?
A serpente fica encantada
ao encantar sua mais nova vítima.
Há deboche nas palavras acima
Quando se conhece a víbora
fica mais fácil entender as sutilezas
ela rasteja, serpenteia, fica à espreita
e na hora agá...
- Ah! Ela voa na sua jugular.
Cuidado com as palavras transformadas
elas podem enfeitiçar.






Navegador





(Para a minha amiga Isabel)

Leste – Oeste
oceanicamente distantes
atlanticamente  separados
Ah! o mar
massa d’água salgada
que abriga segredos abissais
desejos marítimos/íntimos
e
aventuras em naus
Naus que flutuam ao vento
a contento
em nossas direções
Leste
Oeste
Oeste
Leste
Atlântico – oceano
Oceano - atlântico
[que nos une através
 da palavra escrita]
há as que são ditas
há as que somente pensadas
esculpidas
e
guardadas
em nossos corações
benditos corações aquecidos
por poemas
por poesias
por canções em movimento
por pensamentos incessantes
e
harmoniosos
Benditos sejam os ventos
em tempestades/em calmarias
Brisas...
que nos unem nesta amizade
infinita
Isa, Isabel Camarinhas
Minha querida amiga
Minha amiga querida.


Marcas






No corpo da árvore
corações flechados
Amores esculpidos - sulcados
Na ponta da lâmina. lágrimas elaboradas
escorridas em seiva orgânica
Cicatrizes estampadas
nomeadas daqueles que se amam.

Montagem



Não era tão obtuso
aquele amor declarado
Era mais aresta
de 
peça ensaiada.

Encontro






















Do outro lado da janela
o verde em variados tons
anunciava a primavera
mesmo ainda estando
gelado o coração
de quem ali habitava.

Pouco a pouco as gemas
brotavam nos caules verdes
profetizando em cachos
as cores vivas da natureza.

Do outro lado da janela
a penumbra se rompia
com os movimentos lentos 
de quem ali jazia.

De um lado – a esperança
do outro – a falta dela.

As estações se repetiam
e
cada qual de seu lado da vida

uma - paisagem florida
outra - paisagem esquecida

Mas num certo dia
as cores em pétalas
cobriram-lhe o corpo
e o seu vestido de noiva.

Do outro lado da janela
perene/absoluta
permaneceu a Flor 
que um dia acreditou
que morreria de amor.

Paulo Francisco

Breakfast



Manhã de manha
artimanhas
barganhas
de beijos e abraços
que assanham
dois corpos suados.

Paulo Francisco

Muda


Depois de transformada
ela sorriu.
Lembrou-se do tempo
de criança.
Não havia maldade
Não havia idade
Não havia sexo.
- hás de ver que é bom.

Inseparáveis





Ouço a voz da chuva
lá fora
as nuvens gritam
apavorando a noite

Ouço a voz da chuva
lá fora
as nuvens gritam
clareando a noite

Ouço a voz da chuva
lá fora
e neste exato momento
aqui dentro
também ouço a tua voz
nas canções que saem
de dentro de mim.

Túnel



Ontem corri e abracei o vento
pisei na grama verde
subi em árvores
e gritei
 gritei ao mundo o meu nome!
Ontem eu voltei no tempo
segurei a mão de meu passado
e caminhei as gargalhadas
descalços
solto
rouco
de tanto falar.
Ontem eu voltei no tempo
de criança
quando  não sabia
o que era esperança.
futuro era no mesmo dia
passado não existia
tudo era melodia
pra se dançar.
Ontem eu voltei no tempo
agarrado à mão de um menino
franzino
querendo brincar.

Magia



No sono – o sonho
no sonho – a magia
na magia – o voo
no voo – nós.
Sonhei que estávamos voando de mãos dadas com ela – a paz.

Destino






O  barco de papel
navega
em linhas sinuosas
navega
em direção ao mar
em movimentos
ondulantes - ele navega

O barco de papel
leva consigo
- aflito -
palavras escritas
palavras gravadas
palavras esculpidas

Ele segue rio a fora
oscilando em águas
rasas
flutuando em águas
profundas
para em ilhas formosas
e em praias bonitas

O barco de papel
navega em direção
ao mar
em direção
a  ti
Meu amor.

Espera






Enquanto as palavras não chegam
traço linhas paralelas
rabisco qualquer coisa
faço um pássaro voando
um coração flechado
carreirinhas de estrelas
e noites com lua cheia

Desenho nuvens passando
homens flutuando
chuvas de lágrimas
e um sol sorrindo

Enquanto as palavras não chegam
vou levando a vida
sonhando mais um pouco
traçando caminhos
e pensando nos amigos

Enquanto a dor não se dissipa
enquanto não há palavras
vou desenhando a vida
pintando o dia
sonhando a noite
e desatando as amarras.

Enquanto as palavras não chegam
vou lendo um livro
escutando um disco
e dispersando os medos.

Enquanto as palavras não chegam
enquanto as dores persistem
vou ficando por aqui
voando
viajando
incensando
gerundiando o que tem pra gerundiar.


Desaforo

Acordei pesado, cansado
arrastei-me por horas
puxei uma bola de ferro
preso ao tornozelo toda manhã
quando não aguentava mais
peguei o telefone e teclei
o número indesejado
e no primeiro alô!
disse bem calmo,
pau-sa-da-men-te:
¨Vai pra puta que te pariu!¨
Bati o telefone e a carga sumiu.
agora estou leve como pluma.

Leveza II



Talvez eu não tenha medo do mar
Talvez eu o respeite como se deve
e lá no alto da embarcação
pra agradá-lo
permaneço em silêncio
para ouvir o seu cântico
que ele canta
só pra mim.



Paulo Francisco







( Amigos, dando um tempinho no blog para cuidar da saúde - nada grave. Mas ainda, sinto muitas dores. Um beijo grande)

Água que encanta



Quando o homem pisou na água
o mar o coloriu de marinho
vestiu-o de algas verdes
salgou-lhe o corpo de branco
e energizou sua alma.
Quando pisou na água do mar
a sereia cantou - lá longe
- uma canção de amor.
E ele – aquático – nadou
nadou encantado
pela melodia da sereia
na areia do mar.

Sonho azul



Sentado na areia fina da praia
 ele olhava para o mar azul
 que de tão azulado
azulejou os seus olhos
 negros e infantis
- transformando-o num sonhador
e de sonhos ele viveu
viveu em poemas  azuis
viveu em canções de amor.

Biju com coco



No tipiti
a massa branca
úmida
da tapioca
que mais tarde
se transformará
nas mãos do forneiro
na farinha minha
de todos os dias.