Meninas




Ando por aqui, Clara, longe de tudo
guardado em minha caverna
olhando lá pra fora e vendo o mundo.

Ando por aqui, Ana, perto de tudo
no meio de tudo
no meio de tudo.

Penso, Lena, que não estou aqui
estou mesmo é aí perto de ti.


Paulo Francisco

Calmaria

Às vezes, minhas cores ficam claras
e neste meu céu de outono, encontro gaivotas
agitadas
agitadinhas
dançando pras ondas
querendo brincar
quase sempre, elas furtam minhas cores
brincam de esconde-esconde
deixam-me bobo de desejo
querendo namorar
De quando em quando, minhas cores
são furtadas por gaivotas agitadas
agitadinhas
que gostam de brincar
e neste tempo de mar calmo
eu, um montanhês nato,
fico a olhar para a planície
querendo viajar...
não sei se vou de trem
não sei se monto uma caravana
atravesso desertos e montanhas
ou se pego carona nas asas das
agitadas gaivotas que de quando em quando
vem me visitar.

Ardente


Não segui para o Oriente
Não cruzei oceanos
Não viajei de trem
avião ou navio.
Não voltei do Ocidente
Não estava doente
Nenhuma moléstia latente
- aparentemente estava vivo.
Meu coração batia no compasso
da normalidade vivida.
Meus olhos fixos vidravam a paisagem refletida.
Meus braços finos, minhas mãos manchadas
tremiam
tremiam de frio.
Corpo molhado
Carne fatigada
Veias estufadas
Não, não era inverno, não era outono.
Era apenas delírio em pleno verão.
Era o inferno surgido de repente
- presenteado  pela picada de um mosquito.




Paulo Francisco

Medo



Estou preso. Há uma barreira invisível
lá fora que não me deixa  sair
não é o frio
não é a fina chuva
não é o dia escuro
não é coisa física
tampouco divina
Simplesmente não consigo sair
Algo me impede de chegar lá fora
- sair daqui é a certeza de perder
Mas, perder o quê?
Não sei...
Há algo atemporal por aqui.


 Paulo Francisco

Bailado



A flor e o vento juntos formaram o movimento
O vento balançou a flor
A flor perfumou o vento
- e ele, no terreiro, registrou todo aquele sentimento
da flor pelo vento.


Paulo Francisco

Dúvida



Talvez eu seja ridículo
ou esteja ridículo
[não sei]
quando leio e escrevo poesias
quando namoro a lua
quando digo que acredito na ternura
humana
quando aposto cegamente na bondade do outro
Talvez eu esteja malhando em ferro frio
num tempo tão cruel
tão sem noção
Talvez, o sem noção seja eu
um  louco que acredita ainda
que possa sair flores da boca dos canhões.
Mas se entre minhas palavras e meus olhos
há os meus sonhos.
Que haja então poesias
[ridículas ou não]


Paulo Francisco

Foi assim









Bem que eu me lembro,
era meio de primavera
- era sim!

Sentados no meio-fio
conversávamos amenidades
- coisa humana
e tivemos que correr até
a marquise mais próxima
molhados (ou quase) sorrimos
e sem uma única palavra
voltamos à chuva às gargalhadas
no maior chuveiro do mundo.

Bem que eu me lembro
foi o começo de tudo
- foi sim!

Roupas coladas no corpo
silhuetas além dos olhos
e sem uma única palavra
o beijo mais molhado do mundo.
- coisa humana que abranda tudo.


Paulo Francisco

* Bobo do tempo



Até então, eu não sabia, Aninha,
que aquelas florezinhas vermelhas,
brancas, rosas e amarelas,
cada qual num vasinho improvisado
enfeitando o muro da tua casa
eram chamadas de onze - horas.

Foi Graça, sua irmã, que me ensinou
que a florzinha de cinco pétalas
se abria antes do meio-dia,
por isso o nome onze-horas.

Mais tarde, e já era tarde, descobri que presentear
alguém com a plantinha é uma confissão de amor.

Passaram-se os anos e jamais me esqueci de vocês.
Você sabia que a Graça não me disse, talvez não soubesse,
que a onze - horas também pode ser chamada de time fool*?


Paulo Francisco

Memória


Amei-te tanto que me deixei enganar
não vi as verdadeiras cores que brotavam do céu
não senti o quão doce eram as caricias do mar
não permiti que meus olhos enxergassem além dos teus
Tornei-me bicho acuado, vento aflito, galho seco. folha morta, sem Deus
Amei-te tanto que me deixei enganar
esqueci-me do tempo, do dia, da noite, da vida
Amei-te tanto, meu amor, que me esqueci de me amar.


Paulo Francisco

Transbordamento



Impossível não te dizer
o que em mim
represa
Dir-te-ei antes
que
vaze
e
saia
tudo
pelo
        l
              a
                     d  
                             r 
                                    ã
                                             o.


Paulo Francisco

Chuva




Chove. O céu chora o que está represado em mim.

Paulo Francisco

Mediocridade



Por que somos Negros se a pigmentação é marrom?
Por que somos Brancos se a pigmentação é rosa?
Já nascemos daltônicos e medíocres.

Paulo Francisco

Compreensão



Já não sei mais falar sobre o tempo
Achei um dia que sobre o tempo eu entendia.
Já não sei mais falar sobre o amor
Achei que um dia sobre o amor eu entenderia.
Já não sei mais falar sobre mim
Achei, um dia, que de mim eu entendesse.
O tempo anda diferente
o amor anda diferente
e indiferente eu estou.




Paulo Francisco

Meninice

O menino andava a passos curtos
Distraído com as cores do mundo
Seguia sem pressa, tocando em tudo
Sentindo a textura das folhas em suas mãos
O cheiro doce de algumas flores
E a aspereza do chão

O menino andava a passos curtos
Distraído com o som do mundo
Seguia com calma, ouvindo tudo
Deixando a natureza invadir-lhe a alma

O menino que andava a passos curtos
Hoje tem pressa de gente grande
Tem o medo de gente grande
Tem  a curiosidade de gente grande
E já não presta tanta atenção como antes

O menino que andava a passos curtos
Prestando atenção em tudo

Crescera como todo mundo.

Paulo Francisco

VITRAL



Através das cores vivas - imagens
através delas - belas histórias
olhos admirados nos detalhes
Através das cores - linguagem
leitura de imagens dos vitrais...
e nada mais

Paulo Francisco

VATICÍNIO



E neste céu que navego
o vento anunciará em espirais
tempestades de estrelas
explosões de cores
Os ponteiros pararão
e o tempo em absoluto silêncio
ouvirá a respiração de dois corpos
fusionados
mesclados
molhados
tangidos
E os anjos- somente eles
anunciarão um novo amor.

Paulo Francisco

Indelével II


A decepção é o sentimento mais cruel em mim
A raiva passa. A dor passa. A desilusão passa.
Até aquele amor que foi jurado para sempre um dia pode passar
Até mesmo a tristeza passa. Ou fica guardada num canto da gente
                                dando passagem para a tal da felicidade
Mas a danada da decepção não passa!  Essa, pelo menos em mim, fica enraizada
- como um fantasma que de quando em quando aparece lembrando-me de sua existência
Pois é... ando me decepcionando com muitas coisas ultimamente.
E o pior que tem uma delas que vai ser difícil de desaparecer

- Ela anda à minha frente todos os dias.

Paulo Francisco

Solidão


Minhas mãos estão vazias
em meus dedos  não cabem anéis.
Minhas mãos estão vazias
nem a cigana morena da esquina
conseguiria ler as apagadas linhas.
Minhas mãos estão vazias
de cumprimentos;
de acenos...
Minhas mãos estão vazias
- Cheias, somente de adeuses.

Paulo Francisco

Doçura





Em tardes frias e morenas
debaixo das cobertas
volto a ser criança pequena
na esperança de acordar
 e encontrar à mesa
bolinhos – de- chuva.
Açúcar, canela e afeto.
 [Alquimia materna
guardada em segredo.]

Paulo Francisco

Querer



Em tardes serenadas
permaneço quieto
encolhido debaixo das cobertas
sonhando com estrelas
sonhando com fogueira
esperando que me acordes
com beijo na boca.


Paulo Francisco

Eclipse


Em tardes quietas
de 
sol preguiçoso
Permaneço como ele
escondido
numa moleza
sem fim.


Paulo Francisco


Ciclo







A água do córrego
escurece as folhas
seja outono - inverno
primavera ou verão
faz parte do ciclo da vida
a água se alimentar
de todas as estações.
A água do córrego
alimenta outras vidas
Ribeiro corre ligeiro
e adoça mansamente
a água de outros rios.

Paulo Francisco

Paraiso




Era um amor real
daqueles de morrer
a cada segundo vivido
Era um amor possível
daqueles de viver
a cada segundo sonhado.
Era um amor nosso
guardado em suspiros
exibido em olhares atrevidos
Era um amor daqueles
proibidos aos mortais
somente vivido por quem
jamais pecou.

Paulo Francisco

Gota d´água



jorra do peito
-com efeito-
defeito
que rejeito.

aceito
-não tem jeito-
outro beijo
com
confeito.

pletora
agora
e
a
qualquer hora
a
peçonha
da 
senhora cobra.

no
centro
da
 folha
a
bolha
estoura.

esparramam-se
então
as
palavras


Paulo Francisco

Meninice




A vovó viu a uva.
A vovó viu a uva e a escondeu debaixo da blusa.
Ao sorrir-me um sorriso amarelo e vazio
entendi o porquê da uva escolhida
pois não havia dentes
pra devorar as outras frutas.
Eu vi a vovó roubar a uva.
Eu vi sim!

Paulo Francisco

Escuro

Estava tudo apagado
o quarto
a casa
a rua
o bairro
o céu
e os olhos teus.

Paulo Francisco


Novidade






Percebo aquelas folhas soltas
marrons e quebradiças
que cobrem o chão
do pátio vazio
Vejo , também, a sua dona
imponente e calma
de braços abertos
olhando para o céu azul
à  espera da primavera.

Paulo Francisco

Paixão



Você mal chegou por aí
e eu aqui
 já estou com saudade
Amor é assim mesmo
revela-se
enamora-se
exagera-se
em tudo que faz.
Você mal chegou por aí
e eu aqui gritando
[exagerado como sou]
gritando
gritando
e
gritando
aos quatro cantos do mundo
que estou morrendo de saudade.



Paulo Francisco

Mudeza

Tentava amarrar o dia
num silêncio inútil.
Fechava fortemente os olhos
na tentativa de apagar o sol.
Achava que se escondia
enquanto o vento corria
carregado pelo tempo.




Paulo Francisco