EM FRANCÊS




















Que me venha alguém
e me faça pássaro
que me tire os trapos
e me vista de gente
Que me venha alguém
e me traduza inteiro
transforme meu céu
em seu canteiro
e que faça de mim
sua canção
e na próxima estação
a relva, ainda, verde
seja o nosso travesseiro
em tardes quentes
de outono
Que me venha alguém
e me faça feliz
e diga sussurrante,
em francês, uma canção
de amor.



METAPOESIA





















Atravesso, em versos,
caminhos insólitos
insanos
Viajo em asas metafóricas
Mergulho em águas abissais
Transcrevo pensamentos
Ridicularizo atos e fatos
[eu posso]
Faço das palavras
minha arma
Atiro em alvos pequenos
Espeto calcanhares gigantes
Transformo
Crio
Brinco
Escondo-me em frases
Revelo-me em textos
Sou lógico
contraditório
Faço e me desfaço
nunca a contragosto
Gosto da estética
da fonética
da palavra inteira
eu sou eu
sou ele
sou ela
Aqui, sou onisciente
tenho o começo
o meio
e o fim
E a minha onipresença
revela-me
em cores
em nomes
em paisagens
Sou o dito-cujo
o protagonista
o antagonista
[não importa]
se verdadeiro
ou falso
vivo ou inanimado
taciturno ou eufórico
[eu posso]
Mas depois de pronto
outros encontros
e tudo aquilo
que era meu
passa a ser seu.



ROTA





































Caminho sem pressa
mesmo atrasado
meus passos não mudam
firmes e compassados
eles seguem
me direcionam
entre desníveis e depressões
jardineiras e confusões
continuo a caminhar
caos - atravesso para um lado
volto para o outro - calmaria
faço curvas
subo
desço
sol
chuva
vento
continuo...
Olhos nos olhos
ombro a ombro
continuo...
Parar?
Descansar?
Pra quê?
Não corro! Caminho
e determinado
sei que vou chegar lá.







ÁLBUM




























Sou colecionador de faces
coleciono sorrisos
embalo gargalhadas
registro olhares
Sou um colecionador...
coleciono emoções
estas , guardo em meu peito
deixo impresso os abraços
e absorvo os seus calores
Sou um colecionador
Coleciono palavras ditas
e delas me alimento
Sou colecionador
de gente
e se algumas eu descarto
é porque delas não obtive
nenhum traço pra minha coleção.

DE PONTA A CABEÇA









Deixo os braços soltos
os ombros soltos
A cabeça num movimento
pendular
encontra suavidade
clareza
Rolam de meus ombros
e saem pelos meus dedos
frenéticos
rochas, que há muito
carregava com dor
Movimento minha barriga
sinto meu peito - ele ainda pulsa
Minhas pernas coitadas
desequilibradas
Começam um movimento
compassado
e não mais se arrastam
Estou solto
leve
pluma ao vento
E gora, com o meu corpo
em borracha
elevo os meus pensamentos
somente em mim
sou criança
sou feto
sou átomo
sou o universo
Fico feliz

SOB A LINHA DO EQUADOR

E na madrugada orvalhada
viajo acordado
faço o descaminho
de um passado menino
minha pele latina
marcada em dourado
marrom
que brilhava em céus
na América do sul
e com a chegada do sol
e seus primeiros raios
ainda acordado
me descubro
ainda menino
ainda latino
brincando com o cruzeiro do sul.







FLAMEJANTE
















Queima
ferve
ebulição de sentimentos
nada evapora
fica
[pressão]
caldeirão incandescente
sua por fora
arde por dentro
como...
fogueira de junho
em noite de São João
há fogo no caminho
há fogo deixado pra trás
estalido em madeira madura
depois do fogo
misturado às cinzas
ainda muito carvão.



TODO AMOR














Eu não sei falar de amor
não sou bom com as palavras.
Então...
deixo os meus olhos
a minha boca
as minhas mãos
a minha pele
falarem por mim.



AÉREO















Estamos em pleno ar
atmosférico
etéreo
Na asa do vento
tentamos navegar
somos astronautas
estelares
em revoada migratória
pontuamos
mundo afora
o nosso bem estar.
E quando este estar
não está tão bem
no vácuo ficamos.
À deriva...
e num vai e vem
insólito
permanecemos
[um tanto quanto]
até um outro astronauta
nos resgatar...
Estamos em pleno lar...
.
.
.
.
(PARA TODOS QUE GOSTAM DE SONHAR)



BOA IDEIA
















Semana de quatro dias
segunda boa
terça primeira
e quem sabe semana
de três
mata a sexta
e a quinta ressuscita
com muita cerveja.



PONTO FINAL
















Eu quero um beijo
um abraço colado
um chamego
um cheiro
Não sou forte
não sou frágil
nem alegre
nem triste
Quero colo
um afago
Eu existo!

ESPECTRO




















Mistura de cores
vermelho
violeta
púrpura
vontade
que pletora
no peito
num labirinto
de luz néon
espectro
tão fugaz!

PRESSÃO


















O vento
voa alto
voa rápido
ecoa longe
ecoa baixo
o vento vem
o vento vai
carrega/traz
leva consigo
a desesperança
deixa comigo
as lembranças
o vento voa
acaricia/arranha
levanta a saia
da vizinha
venta ventinho
e ventania
leva consigo
novas vidas
empurra /carrega
desnuda
cega
e até mata

MORTO

















E no céu nenhuma estrela
nenhum cometa
somente nuvens
E na montanha nenhuma árvore
nenhum pássaro
somente pedra
E no mar nenhuma espuma
nenhum peixe
nenhuma sereia
somente sal
E nele nenhuma emoção
nenhum sangue
somente carne
Tudo opaco
sem cor
sem som
sem ar
tudo parado
degradado
fétido...
pútrido...
Somente ossos!
Que virarão pó...



SENTIDO

















Uns mais
outros muito mais
nada de menos
todos atentos
nunca é demais
pé de vento
ação combinada
fugaz
[desavexe]
clarão de cores
flash
quero mais...
tenho muita fome
tenho muita sede
de choques epiteliais


AMIGA

Para Valeria Soares


Eu sou tão compulsivo
metralhadora com o dedo
no gatilho
disparo
sem um alvo certo,
detono
em qualquer lugar
[pura explosão atômica]
Enquanto você tão calma
serena
plena
me dá vazão
colore meus devaneios
cerca os meus anseios
me deixa viajar.



FÊNIX













Amor que tortura
machuca
deixa dor
Amor impossível
corrido
sofrido
invisível
Amor escolhido
dividido
desfeito
todos os dias
Amor discreto
secreto
foi assim que eu quis
Amor imperfeito
refeito
sem jeito
infeliz
Amor que espera
que vela
à espera
de um dia feliz
Amor contrariado
desesperado
ávido
inválido
destruído
sem fim

RASANTE

Estávamos sentados na varanda quando avistamos um gavião. Ficamos ali olhando, admirando o planar da rapina. Era absoluto. De repente um voo rasante e uma presa em suas garras. Olhamos um para o outro e não falamos nada. Continuamos a olhar o céu, planando, num voo imaginário e absoluto.

RESISTÊNCIA


















Sinto muito...


Continuo aqui...
criando
brincando
cativando amigos
inventando inimigos
daquele mesmo jeito

Continuo aqui...
Buscando algo novo
sem medo de ser feliz
confesso, nunca perdi

Continuo aqui...
brindando a noite
brigando com o dia
é genético – adoro o luar

Continuo assim:
vadio de mim
às vezes pesado
em teste
outras vezes leve
brando...
moleque...

Continuo assim:
Narciso!
em constante pecado
O que fazer?
Sou assim...
[inexato]
choro
sorrio
berro
rezo

Sou assim mesmo
incansável
alcançável

Continuo aqui...
contente
suficiente
feliz.

Sinto muito, Senhora,
em decepcioná-la
ainda não morri.