Fortaleza

O contorno da montanha delineado pelo resquício de claridade de um sol viajante. É assim que está a montanha vista de minha janela.
Meu corpo ainda recebe o resquício de seu calor. Sinto-me assim todas as vezes que tens que partir. Sou a montanha de minha visão que aos poucos some diante da escuridão.
A escuridão que lá existe é levada pela claridade da lua, surgindo aos poucos do outro lado. A montanha não mais se encontra sozinha. Tem a lua para admirar.
A escuridão que aqui existe é levada pela lembrança de ti e vai tomando aos poucos o meu corpo. Já não fico mais sozinho. Tenho seu rosto para admirar.
Lá está a montanha: integra intacta, majestosa.
Aqui estou eu: pensando em ti e feliz.
Amanhã teremos mais um dia de sol e a montanha continuará verdejante e bela.




Paulo Francisco





Pelo muro as rosas espiam quem passa
balançam suavemente o pensamento ao vento
Rosas aveludadamente vermelhas
distraem maldosamente quem passa
com seu formato mulher
com seu perfume de flor
com suas pétalas macias
com seu gosto de amor.
Atrás do muro da casa há mais flores no jardim
Margaridas e Estrelícias
Gérberas e lírios
Orquídeas e Tulipas
Narcisos e Monsenhores
Enfeitam, estrategicamente, o passeio ao calabouço.


Paulo Francisco

Amargosamente



A trama estava ali. Fora construída a passos curtos, numa lentidão imprecisa.
Não era uma teia arquitetônica, escultural. Não, não era.
Era uma trama confusa amarrada por nós apertados e doídos.
Nós que jorravam um líquido denso e amargo.
Nós que jamais seriam desatados e sim convividos.
A trama estava ali, grudada à pele, envolvendo o corpo, prendendo a alma.
E na mistura desordenada, criou-se uma camuflagem que escondia os mais perversos dos sentimentos.
Seguiu seu caminho tecendo fios, atando nós, prendendo à pele, tatuando a alma.
Seguiu o seu caminho na sua condição naturalmente humana.
Humanamente perversa
Humanamente egoísta
Humanamente medíocre
E assim seguiu até o fim de tudo.


Paulo Francisco


Luzes

Peregrinos de um caminho a ser conquistado
Argonautas de suores e lágrimas
 - argos em busca do amor dourado
Cosmonautas de sonhos e delírios
 - viajantes em cosmonaves invisíveis
 a procura da estrela perdida.
[E os nossos caminhos foram interrompidos

por uma luz divina.]


Paulo Francisco

Vai e Vêm



Morro a cada partida sua
Não é uma morte instantânea
fulminante
É um morrer vagaroso
definhado
corrosivo
que queima a derme d´alma
que desfibrila a carne exposta

Morro
morro a cada ausência sua
e renasço
sempre renasço com o seu retorno tímido
renasço com o coração acelerado
com um sorriso largo
com os braços abertos e as pernas trêmulas

Ah, eu renasço, renasço sim,
renasço com a mesma intensidade
do dia em que lhe vi pela primeira vez
e gritei um grito parido - infinito
como se você estivesse saindo de minhas entranhas
e explodido em múltiplas emoções:
temor e ternura
certezas e dúvidas
brisa e tufão
céu e chão

Mesmo com a pele mais áspera
com as mãos mais trêmulas
e o corpo mais cansado
tornei-me indestrutível nessas idas e vindas
Porque simplesmente sei que não há despedidas
entre nós - meu filho.

Paulo Francisco


Ventando

Ele espalha o que antes era inteiro
fragmenta
mistura
varre
suja
Espanta e assusta
Ele junta o que antes era pó
modela
esculpe
transforma o que não era nada em tudo.


Paulo Francisco

Veloz


O vento corre
navega longe
segue livre
corre
navega
Segue sem destino certo
incorreto, ele corre
corre
corre
mexendo em tudo
até o fim do mundo.


Paulo Francisco


Quase tudo

Restou-me a voz
Restaram-me também os olhos
o som
a cor
Restou-me praticamente tudo
Praticamente tudo...mas não tudo
Há cicatrizes na pele da alma
Marcas profundas tatuadas
nas minhas retinas difusas.
Repito:
Restou-me praticamente tudo
Mas não tudo
Falta o que me foi tirado
e que jamais será recuperado.


Paulo Francisco


De mim




O que escorrem de mim
em minha face
não são lágrimas doídas
não são lágrimas saudosas
São  águas perfumadas
perfume d´alma
alfazema-lembrança
escorrida de dentro de meu ser
para lembrar-me de corpo lavado
que por fora só é textura
camada grossa
bruta
túnica escura
inventada pra proteger-me.
O que escorrem de mim
 são gotas orvalhadas
que aos poucos formam trilhas
trilhas d´água perfumada
com cheiro de alma
alma e jasmim.




Paulo Francisco

Neblina

As montanhas estão vestidas de cinza.
Escorrem do céu, densas capas prateadas
cobrindo as copas de suas árvores.
cobrem , também, a minha pele pálida,
cegam os meus olhos castanhos,
e me impedem de prosseguir em arco-íris.
As montanhas continuam chorosas
rogando pelo sol
desejando o azul celeste
implorando  por outras cores
que não sejam os tons cinzentos existentes,
As montanhas continuam firmes
colossais
magnânimas
apontadas para o céu.
Elas continuam esplendorosas
- eu sei –

mesmo escondidas de mim.



Paulo Francisco