Inútil


Está tudo escondido no escuro do armário
Um dia tudo será inútil
- enterrado
- petrificado
Registro desbotado de um sentimento fossilizado.

Íntimo


Jardim





I
Suas pétalas tatuavam meu corpo
Era flor que desabrochava em minha face
Seu néctar saciava a minha sede
E as papilas afogavam-se em vontade.
Ainda não chegou a primavera
Mas os botões já se transformaram em flores


II

Rosas
Margaridas
Acácias
desabrocham
a
 toda hora
a
revelia
perfumando as minhas noites
e
até mesmo
os
meus dias.


Feixe



Encontro-me nesta cela de angustia
entre a penumbra e a escuridão
Sei que o que vejo não é miragem
estou plenamente lúcido
limpo
Estou em mim!

- não é vertigem o que vejo

Entre o negro e o cinza
persiste uma nesga de brilho

Entre meu corpo e minha alma
há um vácuo a ser preenchido

Há uma nesga de luz
entre o negro e o cinza
e uma pedra que brilha.

Paulo Francisco

Imaginário I



Numa tarde esquecida pelo sol.
onde a mata se cobria de neblina
e a estrada serpenteava em curvas e desafios.
Eu me perguntava num silêncio profundo
para onde estávamos indo.
Não por medo. Não por não confiar.
Simplesmente porque naquele instante
não queria chegar a nenhum lugar.
Queria continuar seguindo em frente
Simplesmente viajando
ziguezagueando em pensamentos
num eterno e doce sonhar.

Paulo Francisco

Encerrado



Estava tudo turvo como neblina em alto-mar
Estava tudo parado como num sono profundo
[nenhum som – quase tudo sem cor]
Tudo estava num espaço-tempo esquecido
Quase tudo invisível –  impossível de se acreditar
Não era medo, não era dor, não era tristeza.
Talvez fosse uma mistura de sentimentos.
Talvez não fosse nada – apenas uma situação temporária.
Um congelamento abrupto na alma e no coração.
Talvez fosse somente um sonho obscuro.
Talvez fosse um passado de um amanhã feliz.

Paulo Francisco



Insatisfação






Chega!
Não quero mais essa coisa implícita, morna, quase morta.
Quero mais que ruído, barulhinho besta.
Quero muitos decibéis de felicidade.
Quero manhãs ensolaradas e gritadas.
Gritos amorosamente sentidos.
Chega!
Não quero mais essa coisa tácita, sombria.
Quero cores que possam compor com o sol a nossa sonata de amor.
Chega!
Já não basta somente a promessa: de quem sabe um dia!

Paulo Francisco

Casca


Corpo inerte
sem vontade
fraco
encolhido
quase cinza
quase morto
O corpo que por hora habito

Paulo Francisco

Engano



Não, não era meu o corpo quase morto
Era de outro o corpo quase morto
Adormecido pelo frio da noite cinza
À espera da claridade do dia
Permaneceu inerte
Esquecido - Quase morto

O corpo caído de um outro mendigo

Paulo Francisco

Despertar



A claridade ilumina o corpo
Invade a derme
Nutre a alma
E o corpo quase morto
Refloresce

Num novo amanhecer
Paulo Francisco